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A ALQUIMIA DOS CHÁS

O chá é considerado como um medicamento e uma bebida saudável desde os tempos antigos, mas recentemente tem recebido muita atenção devido às suas propriedades antioxidantes.

A origem

Apesar de existirem muitas lendas à respeito do surgimento do chá, a história mais comum é proveniente da China e data do ano de 2.737 a.C. Conta a lenda que quando o imperador chinês Shên Nung, conhecido como o “Curandeiro Divino”, dava um passeio pelas suas propriedades, pediu lhe fervessem um pouco de água, enquanto descansava à sombra de uma árvore. Foi precisamente dessa árvore que uma folha se soltou e caiu dentro da taça de água fervida. Sem reparar, o Imperador bebeu, dando origem a primeira chávena de chá. Esta lenda é divulgada como a primeira referência à infusão das folhas de chá verde, provenientes da planta Camellia sinensis, originária da China e da Índia.

Tempos depois, os egípcios usaram as plantas na culinária e na medicina, possuindo, inclusive, algumas receitas que eram consideradas muito preciosas. No Japão, a bebida somente chegou no século IX, por meio dos monges budistas, e foi nesse país que o chá passou a ser parte de rituais religiosos, assim como da educação dos japoneses.

As expedições de Marco Polo e Gaspar da Cruz tornaram possível a chegada dos chás na Europa, no século XVI. No entanto, o hábito somente se espalhou no século XVII, quando a Europa e o Oriente estabeleceram laços comerciais. A bebida tornou-se uma das mais consumidas graças à grande variedade de aromas, sabores e benefícios como ervas medicinais e passou a espalhar-se para o resto do mundo.

A partir do século XIX, o chá tornou-se comum em todo o mundo, partindo para Inglaterra, Estados Unidos, Austrália, Canadá e diversos países. Esse hábito tornou-se, além de prazeroso, um tratamento medicinal, enquanto no Japão o preparo das bebidas tornou-se uma arte.

Apesar de muitos acreditarem nas lendas, existem registros escritos do primeiro uso do chá, datado do século III a.C., na China, onde foi desenvolvido o tratado de Lu Yu - o primeiro tratado sobre chá escrito tecnicamente. Da mesma forma como nas lendas, o país responsável pela introdução dos chás no mundo foi a China.

No Brasil, a cultura do chá foi introduzida no Rio de Janeiro por D. João VI e espalhou-se para Minas Gerais, São Paulo e Paraná.

O chá que apreciamos hoje é resultado de milênios de tentativas e erros. Atualmente, são mais de 3.000 variedades disponíveis, algumas puramente medicinais, outras deliciosamente agradáveis ao paladar.

Tipos de chás

Embora existam variedades de preparações para a infusão, os verdadeiros chás têm sempre um ponto de partida: as folhas de Camellia sinensis, que é o seu nome científico, produzidas em mais de 25 países, sobretudo na China, Índia, Indonésia, Quênia, Malawi e Sri Lanka. Os Açores é o único ponto da Europa onde o chá é cultivado.

A partir das folhas da Camellia sinensis é possível obter diferentes tipos de chás e, dependendo do tipo de tratamento a que são sujeitos, dividi-los nas seguintes categorias: verde, preto, oolong e aromatizados.

No chá verde, as folhas são apenas passadas pelo calor, imediatamente após a colheita, evitando, assim, a fermentação. O chá Gyokuro (gotas de orvalho), do Japão, é considerado um dos melhores - suas folhas são cobertas com tela antes da colheita e, assim, preservam a clorofila e perdem tanino, ficando adocicadas.

No chá preto, as folhas sofrem um processo de fermentação que confere ao líquido um tom avermelhado escuro e um sabor intenso. As folhas são colocadas em tanques fechados até fermentarem, sendo depois aquecidas e desidratadas.

O chá oolong é considerado um “meio-termo” entre os chás preto e verde. Sofre processo de fermentação muito curto e sua secagem é rápida, feita logo após a colheita. É um chá de sabor suave e aromático.

Nos tipos aromatizados, qualquer chá, independentemente do tratamento que receba, pode receber a adição de outras folhas, frutas secas ou flores, cujo sabor se mistura ao seu. O mais famoso é o Earl Grey, obtido através da adição de bergamota ao chá preto.

Alguns estudiosos também consideram os chás medicinais ou “tradicionais” como uma categoria. Geralmente, são chás de ervas, flores ou sementes que possuem propriedades medicinais muito variadas.

Composição química

Os chás são ricos em compostos biologicamente ativos (flavonoides, catequinas, polifenóis, alcaloides, vitaminas, sais minerais, etc.) que contribuem para a prevenção e o tratamento de várias doenças.

Na Camellia sinensis, os flavonóides constituem cerca de 10% a 25% de folhas jovens e brotos, sendo denominados de catequinas, as quais são classificadas nos subgrupos: catequina simples (C), epicatequina (EC), galato-epicatequina (ECG), epigalocatequina (EGC), galato-epigalocatequina (EGCG) e galocatequina-galato (GCG).

No chá verde, estão presentes, além das catequinas, outros compostos orgânicos, tais como cafeína e aminoácidos. A diferença entre o chá verde e o chá preto depende de quando as enzimas foliares são inativadas durante o processamento. Na fabricação do chá verde, as enzimas são inativadas imediatamente após a colheita das folhas. Portanto, a composição de polifenóis no chá verde tende a ser semelhante a das folhas frescas. Na produção do chá preto, as catequinas são oxidadas enzimaticamente, gerando uma mistura complexa de polifenóis, constituída de teaflavinas, teasinensinas e tearubiginas. As teaflavinas e as teasinensinas são os principais produtos oxidados do chá preto, além das tearubiginas, presentes em menor quantidade. As teaflavinas dão coloração e brilho vermelho-laranja, sendo produzidas a partir da condensação oxidativa entre epicatequinas (EC) e epigalocatequinas (EGC). As teasinensinas são incolores, dímeros formados pelo acoplamento oxidativo da epigalocatequina (EGC) ou galato-epigalocatequina (EGCG), nos quais dois anéis B de catequinas são conectados por meio de ligações covalentes do tipo C-C. As tearubiginas possuem estruturas complexas e heterogêneas, monoméricas ou poliméricas, com coloração marrom-ferrugem, tendo como principais precursores a epigalocatequina e a galato-epigalocatequina.

Assim como no chá verde, o chá preto apresenta na sua composição, além de polifenóis, outros compostos orgânicos, como aminoácidos (13% a 15%), metilxantinas (8% a 11%), carboidratos (15%), proteínas (1%), compostos voláteis (<0,1%) e elementos minerais (10%).

Uma vez que muitas das características sensoriais dos chás fabricados decorrem das transformações oxidativas dos fenóis da folha, grande atenção tem sido dada a esse tema. Anteriormente, acreditava-se que o processo era fermentativo e, por esse motivo, ainda é conhecido como "fermentação", ao invés de oxidação.

Dentre as enzimas envolvidas na oxidação, destaca-se a polifenoloxidase, localizada no cloroplasto que, em uma das etapas da fabricação do chá preto, entra em contato com seus substratos armazenados no vacúolo. A polifenoloxidase atua promovendo a dimerização oxidativa de uma catequina simples (diidroxi) e uma galocatequina (triidroxi), gerando as diferentes teaflavinas: teaflavina simples (TF), teaflavina-3-galato (TF3g), teaflavina-3'-galato (TF3'g) e teaflavina-3-3'-digalato (TF3,3'dg). Outra enzima importante é a peroxidase, que catalisa a decomposição redutiva do peróxido de hidrogênio para a água, além de peróxidos orgânicos ao seu correspondente álcool. Acoplada à peroxidase, está a catalase, cuja função é remover rapidamente peróxidos gerados durante a oxidação das catequinas.

Propriedades funcionais e terapêuticas

Dentre os alimentos funcionais, o chá é uma bebida amplamente utilizada. Na área da pesquisa com alimentos funcionais, a planta Camellia sinensis tem sido amplamente estudada devido ao seu conteúdo específico de flavonóides, que lhe confere inúmeras propriedades terapêuticas.

Conforme citado anteriormente, dependendo do processo de produção utilizado, as folhas da Camellia sinensis são a base para a produção de três principais tipos de chás: chá verde, oolong e preto, sendo que a diferença entre estes depende do grau de inativação das enzimas foliares durante o processamento. O chá verde é produzido das folhas frescas da planta, após uma rápida inativação da enzima polifenol oxidase, pelo emprego de vaporização e secagem, o que mantém preservado seu teor de polifenóis e o torna mais rico em catequinas do que os demais. O chá oolong ou “parcialmente oxidado” é obtido após as folhas ficarem em repouso por duas a quatro horas, sendo depois aquecidas para que o processo oxidativo seja interrompido. Já o chá preto é derivado de folhas envelhecidas pela oxidação aeróbica das catequinas, catalisada enzimaticamente.

Muitos estudos têm demonstrado que as catequinas presentes no chá verde podem exercer um papel benéfico. Pesquisas têm demonstrado resultados positivos em relação ao uso do chá verde, principalmente na ação benéfica dos flavonóides do chá sobre o risco cardiovascular.

A literatura também tem demonstrado o potencial papel do chá verde na modulação de processos anti-inflamatórios, antitumorais, antiaterogênicos, hipoglicemiantes e no controle do peso.

Apesar de terem sido realizados vários estudos em diferentes países, ainda não foi esclarecido qual a melhor frequência e dosagem no uso do chá verde, principalmente devido à influência exercida pela variação do tipo de chá e sua forma de preparo na concentração final de seus compostos ativos. Algumas pesquisas sugerem que a ingestão seja de 2 a 3 litros de líquidos/dia; outras já sugerem que 5 a 7 xícaras de chá também pode ser uma boa opção. A American Dietetic Association, recomenda o consumo de 4 a 6 xícaras/dia para a redução do risco de câncer esofágico e gástrico.

A propriedade antioxidante das catequinas do chá verde tem sido apontada como o principal fator contribuinte na prevenção e/ou no tratamento de diversas doenças crônico-degenerativas incluindo o câncer, doenças cardiovasculares e diabetes mellitus.

A propriedade antioxidante está relacionada à estrutura química das catequinas, sendo potencializada pela presença de radicais ligados aos anéis e à presença de grupos hidroxila nos anéis A, B e D. As catequinas podem capturar as espécies reativas de oxigênio, como o radical superóxido (O2-), o peróxido de hidrogênio (H2O2) e o radical hidroxila (OH∙), considerados extremamente danosos aos lipídios, proteínas e DNA.

Sua atuação básica consiste em transferir elétrons para as espécies reativas de oxigênio, estabilizando-as e formando com os radicais livres capturados um radical flavínico, bem menos reativo.

Em estudos realizados com catequinas e teoflavinas foi observado efeito anti-inflamatório: pré-inibição das enzimas ciclooxigenase 2 (COX-2) e lipoxigenase do metabolismo do ácido araquidônico. As teoflavinas inibiram a formação de tromboxane e 12-ácido-hidroxiheptadecatrienoico. Nas mesmas condições experimentais foi observado aumento da produção de prostaglandina E2. Verificou-se, ainda, que os polifenóis são capazes de reduzir processos inflamatórios de artrite asséptica (que ocorre subsequentemente a uma infecção extra-articular) e que o consumo de chá pode ser profilático nos casos de artrite inflamatória, reduzindo a velocidade do desarranjo da cartilagem articular e o risco de enterocolítes ulcerativas, tumores e cânceres de cólon em humanos.

Estudos epidemiológicos também têm demonstrado uma relação inversa entre o consumo de flavonóides e a ocorrência de doenças cardiovasculares. Os mecanismos implicados podem estar relacionados com a inibição da oxidação das lipoproteínas de baixa densidade (LDL - Low Density Lipoproteins), inibição da agregação plaquetária, modulação da função endotelial e propriedades anti-hipertensivas. Esses mecanismos atuam relaxando os músculos do sistema cardiovascular, contribuindo para a redução da pressão arterial e melhorando a circulação em geral. Devido as suas propriedades antioxidantes, já mencionadas, os flavonóides previnem a oxidação do LDL colesterol, responsável pela formação das placas de ateromas, as quais aumentam o risco de trombose.

A disfunção endotelial é um marcador precoce para aterosclerose e muitos dos fatores de risco que predispõem à aterosclerose também podem causar disfunção endotelial. A catequina mais prevalente no chá verde, EGCG, ativa a enzima óxido nítrico sintase via fosfatidil-inositol-quinase e leva a uma vasodilatação. Estudos observaram que as catequinas do chá verde inibem a hiperplasia neointimal e suprimem a proliferação de células musculares lisas dos vasos. Estas conclusões têm importantes implicações clínicas, porque a proliferação de células no músculo liso dos vasos é um dos principais mecanismos de reestenose após intervenção coronária percutânea.

Alguns estudos já evidenciaram as propriedades hipoglicemiantes do chá verde. Pesquisas tailandesas, em estudo com ratos, demonstraram recentemente que o chá verde aumenta a sensibilidade à insulina, associando este efeito ao conteúdo de polifenóis do chá. Em outro estudo dos mesmos pesquisadores,8 ratos foram alimentados com frutose, observando-se que o chá verde diminuiu a resistência a insulina pelo aumento da atividade do transportador de glicose. No Japão e na Tailândia, o chá oolong mostrou ser um complemento eficaz aos agentes hipoglicemiantes orais no tratamento de pacientes com diabetes tipo 2.

Uma das atuais discussões do meio científico é sobre o papel do chá verde na prevenção de neoplasias malignas, baseada em estudos epidemiológicos in vitro e in vivo. Um estudo de coorte acompanhou durante 13 anos uma população com idade inferior a 79 anos. Observou-se a relação inversa entre o consumo de quantidades elevadas de chá verde e a diminuição no número de mortes por câncer e doenças relacionadas com o envelhecimento. A pesquisa sugere que o consumo diário de chá verde pode melhorar a qualidade de vida e proteger de uma morte prematura, particularmente causada por câncer.

O chá verde participa na prevenção de neoplasias malignas pela ação de suas catequinas, com possíveis efeitos protetores do dano causado pelos RL no DNA das células e, também, na indução de apoptose nas células tumorais. Estudos demonstraram que as catequinas do chá verde podem reduzir a proliferação de células de câncer de mama in vitro e diminuir o crescimento de tumor de mama em roedores. Além disso, foi demonstrado, in vitro, que a combinação de EGCG e tamoxifeno é sinergicamente citotóxica para células cancerosas. Estes resultados sugerem que as catequinas têm potencial significativo no tratamento do câncer da mama. O estudo relatou que o tratamento com EGCG diminuía a viabilidade de células mamárias cancerígenas receptores de estrogênio positivas em diferentes fases, (cerca de 80 % de inibição), mas não tinha nenhum efeito adverso sobre o crescimento das células mamárias normais. Os pesquisadores observaram que o tratamento inibiu a atividade da telomerase em 40% a 55%. Outro estudo demonstrou que consumidoras de chá verde revelaram significativa redução do risco de câncer da mama, em comparação com mulheres que não consumiam o chá verde regularmente (menos de uma vez por mês), além disso, conforme aumentava o consumo de chá verde, houve uma tendência significativa na diminuição do risco de câncer.

Outros estudos relataram que o risco de câncer de ovário diminuiu com a crescente frequência e duração do consumo de chá verde.

O chá verde também é um agente quimiopreventivo eficaz para o câncer de próstata. Na mesma linha de pesquisa, observou-se que a EGCG inibiu o crescimento das células do adenoma de câncer de próstata e induziu apoptose. O estudo sugere que os polifenóis do chá verde podem ser suplementados para aumentar a eficácia da terapia de radiação/quimioterapia para promover a morte de células de câncer, enquanto protege células normais.

Estudos epidemiológicos têm sugerido que o consumo elevado de chá verde protege contra o desenvolvimento da gastrite crônica ativa e diminui o risco de câncer do estômago. Além disso, foi demonstrado que a ingestão de chá verde em jejum protege a mucosa intestinal contra a atrofia.

Algumas substâncias presentes no chá verde, como os flavonóides, possuem a capacidade de atuar sobre o sistema nervoso simpático, através da modulação da noradrenalina, aumentando a termogênese e a oxidação das gorduras, evitando, dessa forma, o aumento no tamanho e quantidade de adipócitos e, consequentemente, prevenindo o depósito de gordura no organismo e regulando o peso corporal.

Alguns estudos mostram que as catequinas desempenham um papel importante no controle do tecido adiposo, principalmente pela regulação que a EGCG exerce sobre algumas enzimas relacionadas ao anabolismo e catabolismo lipídico, como a acetil CoA carboxilase, Ag sintetase, lipase pancreática, lipase gástrica e lipoxigenase.

Estudos in vitro e in vivo sugerem que a EGCG modula a mitogênese, a estimulação endócrina e a função metabólica nas células de gordura, além de estar associada com a má absorção de carboidratos e gorduras no trato intestinal, por inibição enzimática e do sódio transportador de glicose.

Além das propriedades funcionais apresentadas acima, outros estudos têm demonstrado que a EGCG pode ser um protetor de uso tópico contra alguns tipos de radiação, prevenindo o foto envelhecimento e diminuindo o risco de câncer de pele devido à prolongada exposição aos raios ultravioleta.

O chá verde também tem sido associado ao aumento e manutenção da densidade mineral óssea, protegendo contra o risco de fraturas de quadril.








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