As enzimas são proteínas com propriedades catalíticas, o que as torna adequadas para aplicação
na indústria alimentícia, principalmente nas de álcool e derivados; amidos e açúcares; cervejaria; laticínios e derivados; óleos e gorduras; panificação e biscoitaria; vinicultura; e sucos de frutas.
O setor de laticínios e derivados é uma das mais antigas aplicações conhecidas para as enzimas. A quimosina do vitelo é conhecida como a enzima ideal para a fabricação do queijo, devido a sua atividade de coagulação do leite altamente específica.
Outras enzimas utilizadas nesse setor são as proteases, que agem principalmente na textura, e as lipases, que atuam essencialmente no sabor. O uso de lipases intensifica a lipólise durante a maturação dos queijos. São muito usadas na fabricação de queijos azuis e italianos (romano, parmesão, provolone). O sabor picante característico provém da presença de ácidos graxos de cadeia curta, liberados pelas lipases.
Outro setor em que as enzimas são amplamente utilizadas é o de panificação, onde a demanda cada vez maior por produtos naturais fez com que as enzimas ganhassem uma grande importância na formulação de produtos.
A massa para pão é normalmente composta de farinha, água, fermento, sal e algum outro ingrediente, como açúcar e/ou gordura. A farinha é composta de glúten, amido, polissacarídeos não amiláceos, lipídios e traços de minerais. Quando a mistura de ingredientes forme a massa, o fermento começa a agir sobre os açúcares fermentáveis, transformando-os em álcool e dióxido de carbono, e a massa começa a crescer. O amido é o maior componente da farinha de trigo. O glúten é uma combinação de proteínas que formam uma ampla cadeia entrelaçada durante a formação da massa. É esse entrelaçamento de cadeias que segura os gases dentro da massa durante o seu crescimento e a assadura no forno. A resistência dessa cadeia entrelaçada é muito importante para a qualidade final de qualquer pão, cuja massa cresce usando fermento.
Enzimas como as hemicelulases ou xilanases, lipases e oxidases podem melhorar, direta ou indiretamente, a resistência da malha do glúten e assim, melhorar a qualidade do produto final, o pão.
As α-amilases transformam os amidos da farinha de trigo em pequenas dextrinas, permitindo ao fermento agir de maneira mais constante durante a fermentação da massa, seu crescimento e nos primeiros momentos no forno. O resultado é um produto final com maior volume e melhor textura do miolo. Os oligossacarídeos e açúcares, como a glicose e maltose, produzidos por essas enzimas, aumentam a reação de Maillard, responsável pelo dourado da crosta e pelo aroma de pão quente.
Quando o pão não é mais fresco, perde a crocância e o miolo endurece. Esse fenômeno de pão
amanhecido é responsável por perdas significativas, tanto para os consumidores quanto para os panificadores. O endurecimento da crosta e a perda de elasticidade do miolo se devem a uma mudança na estrutura dos amidos. Hoje, já são produzidas enzimas que prolongam o tempo e a conservação do pão.
A farinha contém 2,5% a 3,5% de polissacarídeos não amiláceos, que são polímeros, na maior parte, pentosanas, que desempenham importante papel na qualidade do pão, devido a capacidade de absorção da água e interação com o glúten. A adição de certos tipos de pentosanase ou xilanase, em dosagens corretas, melhora a maleabilidade da massa, dando-lhe maior flexibilidade, mais estabilidade, com maior elasticidade durante a assadura, resultando um volume maior e melhor textura do miolo.
A farinha de trigo comum contém 1% a 1,5% de lipídios. Alguns deles, especialmente os não polares, como os triglicérides, são ligados ao glúten, impedindo a sua funcionabilidade. A adição de lipases funcionais modifica os triglicérides, alterando, consequentemente, a sua interação com o glúten. Assim, obtém-se uma cadeia entrelaçada de glúten com maior resistência, propiciando uma massa mais estável, maior volume do pão e melhor estrutura do miolo.
Outra área de grande aplicação das enzimas é a se suco de frutas. Todos os tipos de frutas e especialmente as bagas, com algum valor nutricional e processamento industrial significativo, contém pectina, em quantidades variáveis, que age como uma cola, segurando as paredes celulares
das frutas, umas nas outras. Na fruta verde, a pectina está presente na forma insolúvel, chamada protopectina, responsável pela relativa dureza ou firmeza da fruta. Quando a fruta amadurece, a protopectina é parcialmente transformada na forma solúvel. Nesse estágio, quando a fruta for espremida, somente algumas das pectinas passam para o suco, tornando-o mais viscoso, mas ainda, com pouca cor e aroma, além de tornar a sua clarificação e filtração difíceis, dificultando o rendimento.
Essas dificuldades podem ser superadas pela adição de preparações enzimáticas especiais antes da prensagem, no mosto, facilitando a futura extração, aumentando consideravelmente o rendimento em suco e o rendimento na prensagem.
A completa despectinização pelo uso de enzimas pectinases propicia boa clarificação e filtração do suco, bem como maior estabilidade do concentrado de suco produzido. A adição de enzimas no mosto é hoje uma prática normal nos grandes processadores.
A despectinização dos sucos após a prensagem é necessária para se obter um suco com baixa viscosidade. Na produção de sucos concentrados a despectinização é obrigatória para evitar a geleificação durante a concentração ou a estocagem dos concentrados.
Para as frutas vermelhas, por exemplo, a cor é uma qualidade importante. A adição de preparações
enzimáticas, como as celulases, podem levar a um melhor rendimento e melhor coloração do extrato. Nas frutas cítricas são utilizadas enzimas pectolíticas. No processo de lavagem da polpa usa-se a enzima para reduzir a viscosidade e evitar geleificação das pectinas durante a fase de concentração.
Outras enzimas pectolíticas são utilizadas na clarificação, na recuperação de óleos essenciais ou na produção de extrato, a partir da casca, com alto índice de turbidez, para aplicação na indústria
de refrigerantes.
Márcia Fani
Editora