Embora sejam usados principalmente para produzir e manter emulsões, os emulsificantes são aditivos que também possuem outras funcionalidades nas matrizes alimentícias, como aeração, aumento da vida útil, mouthfeel, texturização e reposição de gordura, sendo este último especialmente interessante sob a perspectiva de saudabilidade.
Devido a sua versatilidade, os emulsionantes alimentícios podem ser encontrados em uma grande variedade de aplicações: maioneses, produtos de panificação, sorvetes, pastas de gordura, molhos para salada, entre uma infinidade de outras aplicações.
A sua principal funcionalidade é a produção e manutenção de emulsões, essencialmente misturas de óleo e água. Existem basicamente três opções: óleo/água, água/óleo e óleo-água/óleo. As emulsões são formadas pela dissolução de um emulsificante com a fase aquosa (no caso de emulsões óleo/água), sendo que, em seguida, ambas as fases são misturadas por meio de um misturador de alto cisalhamento ou um homogeneizador. O emulsificante deve, então, ser adsorvido rapidamente nas gotículas na interface óleo/água. Considerando que a emulsão inicial contém gotículas relativamente grossas (maiores que 1 mm de diâmetro), a capacidade de redução da tensão superficial do emulsificante faz com que as gotículas se quebrem em outras menores. Ao revestir essas gotículas, o emulsificante evita a sua coagulação. Em geral, o tamanho da gota é um indicador da estabilidade de uma emulsão, quanto menor o tamanho, mais estável é a emulsão. Devido a sua principal funcionalidade, maioneses ou molhos para salada, para citar apenas alguns exemplos, não se decompõem em uma fase de água/óleo durante a sua vida útil.
Como mencionado, a emulsificação não é a única funcionalidade. Por exemplo, estearoil lactilatos e mono- e diglicerídeos podem retardar o endurecimento em produtos de panificação, interferindo na retrogradação do amido. No chocolate, os emulsificantes são usados para reduzir a viscosidade, o que permite redução na quantidade de manteiga de cacau e, consequentemente, diminuição dos custos, além de algumas calorias.
A maioria dos emulsificantes é sintetizado e deve conter um número E, o qual indica que é um aditivo seguro para consumo humano. No entanto, devido a busca dos consumidores por uma rotulagem limpa, a atual tendência na indústria de alimentos é eliminar esses números E, tanto quanto possível, o que levou a busca por emulsificantes naturais.
Existem várias fontes de recursos naturais disponíveis capazes de oferecer as mesmas funcionalidades dos emulsificantes sintetizados. Porém, quando se fala em emulsificante natural, a lecitina é a primeira opção.
A lecitina é formada por uma mescla de fosfolipídios (50%), triglicerídeos (35%) e glicolipídios (10%), carboidratos, pigmentos, carotenóides e outros micro compostos. As propriedades tensoativas da lecitina são provenientes da estrutura molecular dos fosfolipídios, componentes ativos da lecitina que são formados por uma porção hidrofóbica e uma porção hidrofílica.
Sua característica química mais importante é o seu poder emulsificante. As moléculas de fosfolipídios possuem uma parte polar hidrofílica e outra apolar lipofílica, responsável pela capacidade de redução da tensão interfacial entre uma mistura óleo/água, por exemplo. Esse poder emulsificante permite a obtenção de emulsões do tipo óleo/água ou água/óleo.
Tecnicamente, a lecitina pode ser obtida da gema do ovo e de diversas fontes de óleos vegetais. A fonte mais comum é a soja, em virtude da sua disponibilidade e propriedades emulsificantes. Estima-se que 95% da lecitina seja produzida comercialmente a partir da soja. Outras fontes comerciais incluem o óleo de palma, o óleo de canola e o óleo de girassol, bem como leite e ovos.
A apresentação mais comum da lecitina de soja é o padrão líquido. No entanto, existem outros tipos de lecitinas comercialmente disponíveis, entre eles, a lecitina filtrada, obtida por filtração do óleo bruto antes da degomagem e utilizada em cosméticos e cápsulas de gelatina em que a transparência é importante; lecitina de baixa viscosidade, que consiste em uma lecitina bruta, corrigida para 50% acetona insolúvel e óleo de soja refinado, sendo que esta viscosidade é suficiente para que possa ser pulverizada diretamente em produtos em pó, como o leite em pó ou cacau em pó; lecitina em pó, obtida a partir da extração de triglicerídeos de lecitina bruta, utilizando acetona e cuja apresentação oferece vantagens de manuseio e melhor solubilidade em água; lecitina hidrolisada, obtida pela hidrólise de fosfolipídios por enzimas, transformando-os em lisofosfolipídios, com maior solubilidade em água e produzindo um tipo de lecitina em emulsões padrão óleo/água mais estável; lecitina hidroxilada, recomendada para uso em emulsões de baixo teor de gordura e obtida através da reação de fosfolipídios por meio de ácido láctico, adicionando às ligações duplas dos radicais graxos um radical hidroxilo; lecitina fracionada, comercializada em concentrações que variam de 20% a 40% de fosfatidilcolina e obtida pela concentração de fosfatidilcolina com álcool etílico para aplicações em produtos nutricionais como uma fonte de colina; e lecitina hidrogenada, usada quase exclusivamente em lipossomas, ou seja, a fosfatidilcolina forma lipossomas mais estáveis. Neste último tipo, a hidrogenação na presença de níquel ou paládio catalisadores elimina quase todas as suas insaturações.
A indústria alimentícia oferece uma vasta gama de possibilidades para aplicação da lecitina, que tem como principais vantagens sobre os outros emulsificantes o seu caráter natural, seus atributos nutricionais e várias apresentações oferecidas.
A lecitina é usada comercialmente tanto como emulsionante quanto como lubrificante. Suas propriedades tensoativas são provenientes da estrutura molecular dos fosfolipídios, componentes ativos da lecitina.
Os fosfolipídios são constituídos por três componentes em proporções quase iguais: fosfatidilcolina (PC) com propriedades emulsificantes do tipo óleo/água, fosfatidiletanolamina (PE) e fosfatidiletanosinol (PI), com propriedades emulsificantes do tipo água/óleo. Portanto, este antagonismo faz com que a mescla tenha propriedades emulsificantes relativamente limitadas.
Na obtenção de emulsões mais estáveis, a lecitina deve ser utilizada em combinação com outros emulsificantes ou, ainda, modificada química ou enzimaticamente. Os princípios químicos da modificação da lecitina baseiam-se na remoção ou transformação da fosfatidiletanolamina; o fracionamento alcoólico é baseado na diferença de solubilidade.
É possível obter lecitinas de diferentes composições em fosfolipídios e BHL. A fosfatidiletanolamina é mais solúvel em álcool, portanto, com etanol 90% é possível concentrar a fosfatidiletanolamina e obter um produto com melhor propriedade emulsificante óleo/água. Também é possível promover a hidrólise enzimática, através da enzima fosfolipase A2, produzindo um produto final mais hidrofílico que apresenta grande poder emulsificante para emulsão do tipo óleo/água.
Um exemplo típico de emulsão óleo/água e uma das aplicações mais conhecidos da lecitina como emulsificante na indústria de alimentos é a maionese. A importância da gema de ovo na maionese se dá pelo fato de ser rica em lecitina. Após a adição de emulsificantes e agitação, forma-se uma dispersão do tipo água/óleo. A maionese apresenta uma fase interna composta de gotas de óleo dispersas e uma fase externa de vinagre, ovos e outros ingredientes. A rigidez da emulsão depende parcialmente do tamanho das gotículas de óleo e da proximidade com que estão agrupadas.
Uma das principais aplicações da lecitina é na margarina. A adição de 0,15% a 0,26% de lecitina na margarina evita que apresente separação durante os períodos de armazenamento. Além disso, confere melhor textura, retêm a umidade, impede o salpico durante o resfriamento, evita respingos durante a fritura e protege as vitaminas, aumentando, dessa forma, o tempo de vida útil do produto.
Na indústria de chocolates, a lecitina é utilizada para facilitar a dispersão das gorduras de diferentes pontos de fusão, diminuindo a viscosidade e, portanto, possibilitando o trabalho a temperaturas mais baixas, o eu evita perda de aromas voláteis. Diminui o gasto de manteiga de cacau, podendo-se obter a viscosidade necessária com menor quantidade da mesma. A aparência, textura, sabor e aroma do chocolate melhoram sensivelmente com o uso da lecitina. Para essa aplicação é indicado o uso de 0,35% de fosfolípide sobre a massa do chocolate.
Devido as suas qualidades emulsionantes, antioxidantes e dispersantes, a lecitina aumenta a estabilidade e o tempo de vida útil do leite. A utilização de aproximadamente 0,20% de lecitina no leite em pó comum, de difícil dissolução em água, torna-se instantânea.
Na indústria de biscoitos, além das vantagens apresentadas pelo uso da lecitina em biscoitos quanto a qualidade do produto, permite diminuir a quantidade de gordura nas formulações e melhora a resistência e a elasticidade da massa laminada, facilitando a estampagem e reduzindo as quebras do produto.
Na indústria de sorvetes, devido a sua propriedade de atuar como inibidor de cristalização, a adição de apenas 0,10% de lecitina confere ao sorvete uma estrutura mais fina e melhor emulsão dos diversos ingredientes.
Na indústria de massas alimentícias, o uso de lecitina auxilia na dispersão e fixação do pigmento betacaroteno, conferindo maior uniformidade e brilho ao produto final. As quantidades indicadas para o uso da lecitina são de 0,2% a 0,5% de fosfolípide com base na massa.
Na indústria de panificação, a lecitina é utilizada devido as suas propriedades emulsionantes e de retenção de água. É usada na faixa de 0,3% em base farinha, promovendo redução no tempo de amassamento e aumento na absorção de água; o resultado são pães de crostas mais macias, granulação mais fina e textura uniforme.
A lecitina é utilizada também na maioria dos desmoldantes industriais. Uma mistura de 10% de lecitina em óleo reduz a quantidade de desmoldante a ser utilizado.
Em produtos naturais ou nutricionais, as lecitinas transparentes e concentradas em forma de pastilhas são as mais utilizadas para consumo direto ou em cápsulas, misturadas ou não com outras substâncias, como algas ou tocoferóis.
Outras áreas de aplicação da lecitina como emulsificante natural incluem bebidas, chantilly, cremes vegetais, iogurtes e queijos espalháveis, onde pode ser aplicada para prevenir a sinérese e a separação de fases, e em produtos cárneos, utilizada para emulsionar a gordura livre e evitar a separação.
Márcia Fani
Editora