Torrado, solúvel, liofilizado, descafeinado, aromatizado, gourmet e orgânico. A industrialização dos grãos de café permite a obtenção de vários produtos que oferecem aroma e sabor em cada xícara.
Mas até assumir esse status quo, o café era conhecido simplesmente por suas propriedades estimulantes e a fruta era consumida fresca, sendo utilizada, acreditem... para alimentar e estimular os rebanhos durante viagens. Em 1.000 d.C., os árabes começaram a preparar uma infusão com as cerejas do café, fervendo-as em água. Somente no século XIV, o processo de torrefação foi desenvolvido e, finalmente, a bebida adquiriu o aspecto mais parecido com o que conhecemos hoje.
Embora o hábito de tomar café tenha se desenvolvido na cultura árabe, a planta de café é originária da Etiópia, centro da África, onde ainda hoje faz parte da vegetação natural.
Os primeiros grãos de café foram torrados para se transformar na bebida que hoje conhecemos somente no século XVI, na Pérsia. Em 1615, começou a ser saboreado no Continente Europeu, levado por viajantes em suas frequentes viagens ao Oriente. Até o século XVII, somente os árabes produziam café. Embora disputado por alemães, franceses e italianos, foram os holandeses que conseguiram as primeiras mudas e as cultivaram nas estufas do jardim botânico de Amsterdã, fato que tornou a bebida uma das mais consumidas no velho continente, passando a fazer parte definitiva dos hábitos europeus.
Através dos colonizadores europeus, o café chegou ao Suriname, São Domingos, Cuba, Porto Rico e Guianas, sendo esta última a responsável pela chegada do café ao Norte do Brasil, mais precisamente em Belém, PA, em 1727. Devido as condições climáticas brasileiras, o cultivo de café se espalhou rapidamente, expandido o seu cultivo para o Maranhão, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Minas Gerais e, em um espaço de tempo relativamente curto, passou de uma posição secundária para a de produto-base da economia brasileira.
Por quase um século, o café foi a grande riqueza brasileira e as divisas geradas pela economia cafeeira aceleraram o desenvolvimento do Brasil e o inseriram nas relações internacionais de comércio. A cultura do café ocupou vales e montanhas, possibilitando o surgimento de cidades e a dinamização de importantes centros urbanos por todo o interior do Estado de São Paulo, Sul de Minas Gerais e Norte do Paraná.
Hoje, o café é um dos produtos mais consumidos e mais populares, preferência que o coloca como o segundo produto de maior importância econômica a nível mundial.
Do grão à xícara
De uma simples infusão com água, os frutos de café se tornaram uma bebida aromática e saborosa, que pode ser consumida de diferentes formas. Mas é importante destacar que existem muitas variedades de plantas de café e cada tipo de cultivo determina importantes características no resultado da bebida, como diferenças no aroma e no sabor.
Cientificamente, o café é um vegetal que faz parte da família Rubiaceae, inserido no gênero Coffea, cujo grupo já apresenta mais de 90 espécies descritas. Desta quantidade de variantes, aproximadamente 25 espécies são exploradas comercialmente, mas apenas quatro possuem relevância no mercado mundial: o café arábica (Coffea arabica), cultivado com maior intensidade no Brasil, na Colômbia e na América Central, parte da Ásia e no Leste da África; o café robusta (Coffea canephora), cujo maior cultivo se encontra na África e em parte do Brasil e da Ásia; o café libérica (Coffea liberica), originário da Libéria e cujos maiores produtores são atualmente a Malásia e a Guiana; e o café excelsa (Coffea dewevrei), que é mais robusto e também, muitas vezes, usado na composição de novos blends, elaborados com um ou mais tipos de café arábica.
O café arábica e o café robusta correspondem a cerca de 98% da produção e consumo mundiais. Já o café libérica e o café excelsa somam cerca de 1% da produção mundial da planta.
O café arábica resulta em uma bebida mais aromática, menos amarga e com menor teor de cafeína, se comparado com a espécie robusta, também conhecida como conilon. As características dessas espécies são bem distintas, desde a formação das plantas até a árvore: a cepa do café arábica é mais sensível e tem um porte menor, devendo ser cultivada em altitudes mais elevadas, retornando grãos mais claros e maiores; a árvore do café robusta ou conilon apresenta proporção bem maior, podendo ser produzida a até 800 metros de altitude, com grãos menores e maior produtividade.
O café arábica tem um consumo mais apreciado porque se considera que traz um sabor mais completo e refinado, apresentando mais doçura e acidez, além de um aroma bem marcado e suave. Devido a sua maior quantidade de cafeína, o robusta tem sabor mais amargo e neutro, pouco adocicado, sendo também menos aromático, reservando-se boa parte da sua cultura para a fabricação de café solúvel ou para misturas com o arábica, resultando em um café de menor qualidade, porém de custo mais baixo.
Além dessas diferenças entre as espécies, existem também as variações internas, que ocorrem devido aos diferentes tipos de solo, clima e altitude para o cultivo da planta, entre outras influências que motivam pequenas modificações no vegetal e, com isso, o resultado da bebida. Essas variações internas são muito relevantes, principalmente entre os tipos de café arábica.
Em geral, os cafés feitos do puro arábica, que não contenham blends com outras espécies de café, são chamados de gourmet e, por isso, são mais caros e rotulados com alto padrão de excelência. Mas existem as variantes de café arábica que podem ser comercializadas ou não com blends específicos, aplicados para equilibrar ou acentuar as suas melhores características. Nesse contexto existe, por exemplo, o café tipo Bourbon (ou Fava), com aroma mais intenso, maior teor de açúcar e textura achocolatada; o café Caturra, que tem características parecidas com o Bourbon, já que é uma mutação derivada daquela planta; e o café Catuaí, que é mais leve e suave, pouco encorpado e apresenta acidez média. Existem, ainda, os tipos Mundo Novo, Acaiá, Icatú, Obadan e Rubi, entre outros, cada qual proporcionando pequenas mudanças de sabor, cor, textura e aroma, além de infinitas possibilidades de combinações.
Diferentes formas de consumo e preparo
Conforme já mencionado, a industrialização dos grãos de café permitiu a obtenção de vários produtos, os quais são comercializados na forma de café torrado, solúvel, solúvel liofilizado, descafeinado, aromatizado, gourmet e orgânico.
O café torrado é obtido dos grãos de café pelo sistema de torrefação direta, sem nenhum tipo de aditivo. Os grãos são submetidos a uma temperatura de 200ºC, sendo que nesse processo, o grão perde a sua umidade residual.
O café solúvel é produzido a partir dos grão de café robusta, pois este possui características próprias e diferenciadas, como sabor, acidez e maior quantidade de sólidos solúveis. No processo de produção, os grãos torrados são moídos e submetidos à extração sob pressão em temperaturas de 1.400C a 160°C, promovendo o enriquecimento de sólidos solúveis em relação à matéria-prima. O extrato é, então, desidratado em vaporizadores ou liofilizadores, originando o café solúvel em pó ou granulado. Na extração, os grãos torrados e fragmentados sofrem infusão em água quente, em percoladores de aço inoxidável, extraindo-se os sólidos solúveis. Em seguida, é realizada a concentração, onde retira-se uma parte da água contida no extrato líquido de café, com o objetivo de facilitar a secagem. A concentração pode ser feita tanto por evaporação como por congelamento de água. A etapa seguinte é a secagem, que pode ser efetuada por aspersão ou por liofilização. Na secagem por aspersão, o extrato concentrado é atomizado em forma de gotículas no topo de uma torre de secagem, ao mesmo tempo em que é submetido a uma corrente de ar quente, provocando a evaporação da água.
O produto coletado na base da torre de secagem é o café solúvel, que pode ser transformado em café aglomerado, se submetido à pulverização em uma câmara de aglomeração, juntamente com água e vapor, promovendo a formação de grânulos com ótima solubilidade. Já na secagem por liofilização o extrato concentrado é congelado a uma temperatura ao redor de 30ºC negativos, triturado em moinhos especiais para que as partículas sejam de tamanhos uniformes e, em seguida, conduzido a uma câmara de vácuo, onde se provoca a sublimação de água à temperatura crítica de fusão, tendo como produto final o café liofilizado.
Para ser chamado de descafeinado, o café precisa ter mais de 97% de sua cafeína retirada, sendo essa cafeína extraída dos grãos verdes do café antes de serem torrados. O café é descafeinado utilizando-se fluído supercrítico de dióxido de carbono, um solvente não tóxico, o qual dissolve substâncias como um líquido, principalmente substâncias orgânicas, como a cafeína. O dióxido de carbono supercrítico, sob alta pressão, lixívia os grãos de café, dissolvendo até 99% da cafeína presente. Contém aromatizante, como amêndoa, chocolate com trufas, creme irlandês, menta, canela, damasco, entre outros.
O café gourmet é produzido com 100% de grãos da espécie Coffee arábica. Geralmente, produz uma bebida mais doce, muitas vezes dispensando o uso de açúcar. São encontrados em embalagens valvuladas, com mecanismo interno que impede a saída dos gases do café e a entrada de ar. A torra varia de moderadamente clara à moderadamente escura.
O café orgânico é um produto diferenciado, de maior valor agregado, cujo mercado tem crescido e se fortalecido ao longo dos anos, sendo produzido em lavouras sem o uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos.
Assim como a industrialização permitiu a diversificação de produtos derivados do café, a criatividade possibilitou a criação de diferentes formas de saboreá-lo. Os preparos mais clássicos incluem o espresso, americano, capuccino, moka e macchiato, entre outros.
O espresso é a forma que deixa o café mais concentrado; a água com bastante pressão, não fervente, passa pelo café moído, deixando-o com mais consistência do que o café coado. Geralmente, é servido em pequenas doses, sendo possível fazê-lo apenas com cafeteiras elétricas.
O americano é um café expresso acrescido de 50% a mais de água quente. É um café fraco, bem aguado, perfeito para grandes doses.
O cappuccino é uma bebida italiana, produzida com café expresso e leite vaporizado. No Brasil, é usado chocolate no preparo, mas não faz parte da receita tradicional. Além do café expresso de alta qualidade para o preparo do cappuccino, o elemento mais importante para o seu preparo é a textura e a temperatura do leite.
O café moka é composto por chocolate, café espresso, leite vaporizado e chantilly e tem sabor achocolatado. Na Europa, refere-se tanto ao café com chocolate ou simplesmente ao café feito com grãos de mocha (cultivado no Iêmen e exportado pelo porto de Mocha no Mar Vermelho). É normalmente feito com um terço de expresso e dois terços de leite evaporado, acrescido de um porção de chocolate, adicionada em forma de chocolate em pó meio amargo ou ao leite. A receita também pede nata batida (chantilly) pulverizada com canela ou cacau em pó.
O café macchiato é originário da Itália. É um café expresso misturado com uma pequena quantidade de leite quente com espuma. Em italiano, macchiato significa “manchado”, pois tradicionalmente era colocado uma mancha de leite no café expresso. Assim, o macchiato passou a aludir à espuma do leite que se colocava em cima, para indicar que a bebida possuía um pouco de leite.
Hoje, além dos preparos clássicos, novas formas de apreciar e preparar café estão disponíveis. O café é uma bebida extremamente versátil, o que permite que uma variedade de métodos de preparo, sabores e combinações estejam disponíveis.
O café tradicional é um clássico e nunca deixará de ser preferência entre os seus fiéis consumidores. Mas novas experiências sensoriais sempre são bem-vindas e adicionar complexidade textural é uma tendência que cresceu significativamente nos últimos anos. Um bom exemplo é o café com infusão de nitrogênio, um café gelado preparado com infusão de água fria e de nitrogênio por meio de uma torneira especial. Popular entre os cafés prontos para beber, adiciona uma sensação cremosa e aveludada, que pode aumentar a percepção de doçura e adicionar complexidade textural sem adicionar calorias.
Aliás, o café gelado já se tornou um clássico entre os seus apreciadores e pode ser preparado com uma variedade de ingredientes, desde produtos lácteos, como creme, leite e iogurte, até sorvetes de vários sabores ou cubos de gelo, ou ainda, bebidas alcoólicas e licores.
Fortificar o café com ingredientes funcionais também é uma tendência e tem sido foco de inovação. O café pode ser um veículo de entrega ideal para adicionar vitaminas ou outros nutrientes, pois o seu sabor forte ajuda a mascarar sabores indesejados.
A lista de atributos funcionais do café cresce cada vez mais, em grande parte, devido aos avanços em inovação e tecnologia. Hoje em dia, com a ajuda de ingredientes, como proteínas, prebióticos, probióticos e muitos outros, além dos avanços nas texturas e preparações, o café pode ser ainda mais benéfico e saboroso.
Márcia Fani
Editora