O sabor específico do cacau é resultado de reações químicas e bioquímicas complexas durante o processamento pós-colheita de grãos crus e de influências do genótipo do cacau, composição química das sementes cruas, condições ambientais, práticas agrícolas, processamento e etapas de fabricação. Não há um único componente-chave que determina o caráter final do sabor, o qual é formado pela contribuição de componentes químicos voláteis e não voláteis.
Os voláteis do cacau são derivados dos precursores do sabor gerados durante as etapas de fermentação e secagem. Cerca de 600 voláteis foram identificados no sabor do cacau, incluindo várias classes químicas, como aldeídos, cetonas, ésteres, álcoois, pirazinas, quinoxalinas, furanos, pironas, lactonas, pirróis e dicetopiperazinas. Diferentes tipos de cacau podem apresentar sabores diversos e específicos, uma vez que a concentração e o caráter sensorial desses compostos variam significativamente.
Os álcoois conferem aroma frutado, herbáceo e floral. Altos teores de álcool são desejáveis para a obtenção de derivados de cacau com notas florais e doces. O 2-heptanol confere o aroma frutado, herbáceo, floral e picante. O linalol e o 2-feniletanol são os principais álcoois presentes em grãos torrados. Além disso, o 2-feniletanol é o composto mais odorante em cacau seco e fermentado.
Os compostos carbonílicos do tipo aldeído são cruciais para o desenvolvimento de um bom sabor de cacau, bem como uma alta concentração de aldeídos e de cetonas é favorável para a sua qualidade. Normalmente, esses compostos são formados pela degradação de Strecker de aminoácidos livres durante a torra. No entanto, baixas concentrações de aldeídos podem surgir mesmo durante a fermentação e secagem. O 2-metilbutanal e o 3-metilbutanal, que surgem durante a fermentação, produzem notas de malte e chocolate no cacau torrado e não torrado. Os aldeídos e cetonas desejáveis são obtidos durante a fase de fermentação de seis a oito dias e secagem a 70°C. Altas temperaturas e uma torra mais longa diminuem o teor de aldeídos.
Os aldeídos não são apenas componentes de sabor, mas também reagentes importantes envolvidos na formação de compostos heterocíclicos, os quais geram, via condensação aldólica, fenilalc-2-enais com uma nota floral típica que lembra bastante o cacau/chocolate. O 5-Metil-2-fenil-2-hexenal exibe uma nota de cacau profundamente amarga.
Entre as cetonas, a acetofenona determina notas doces e florais, e a acetoína é uma precursora da tetrametilpirazina, um importante componente de odor ativo do sabor do cacau.
Os ésteres são a segunda classe mais importante de voláteis, sendo que o etil-, metiléster e acetatos são predominantes. Essa classe confere sabor frutado e são os componentes típicos do aroma de cacau não torrado. O 2-feniletilacetato possui notas florais e de mel e é o principal responsável pelo aroma característico do liquor de cacau asiático. Além disso, o etil-2-metilbutanoato é um sabor importante gerado durante a fermentação.
A formação de acetatos de amila durante a fermentação deve ser evitada, sendo considerados como indicadores de defeitos de sabor. Altos níveis de 2-feniletilacetato e baixas concentrações de acetato de 3-metil-1-butanol são importantes para a qualidade aromática do cacau. As altas temperaturas durante a torra afetam negativamente o conteúdo de ésteres.
As pirazinas são a principal classe de voláteis heterocíclicos e os principais componentes de odor no aroma do cacau. Exibem aromas de noz, terra, torrado e herbáceo. Cerca de 80 pirazinas contribuem para o sabor do cacau. Entre as alquilpirazinas com diferentes substituintes (metil-, etil-, propil-, furil-, vinil- e metoxi), a tetrametilpirazina e a trimetilpirazina são as mais importantes, exibindo notas de nozes, gramíneas e persistentes; a tetrametilpirazina, que constitui cerca de 90% das pirazinas totais, possui propriedades intensificadoras do sabor do cacau. Geralmente, o cultivar Criollo apresenta altos níveis de pirazinas, enquanto o cacau Nacional mostra as menores concentrações.
A maioria das pirazinas se origina de α-aminocetonas por degradação de Strecker e reações de Maillard durante a torra. A temperatura e a duração das reações térmicas são fatores críticos que influenciam a sua concentração. A tetrametilpirazina pode ocorrer durante a fermentação como um produto metabólico de Bacillus subtilis. No entanto, a fermentação dos grãos de cacau na ausência de leveduras e sua torra subsequente leva a formação de menos pirazinas e a produção de um caráter menos achocolatado do sabor final. Além disso, as pirazinas podem surgir durante o processo de secagem por meio de reações de Maillard iniciadas pela queda no teor de umidade e temperaturas de 30°C a 50°C.
Durante a fermentação, a concentração de ácidos orgânicos aumenta como resultado do metabolismo do açúcar. O ácido acético, com aroma ácido, é considerado o composto com maior odor ativo em grãos fermentados e não torrados. Além do ácido acético, outros ácidos carboxílicos de cadeia curta, como o isobutírico, isovalérico e propiônico, predominam nos grãos de cacau fermentados. Esses ácidos produzem notas desagradáveis e são eliminados durante as fases de torrefação e conchagem.
Uma fermentação prolongada, com duração maior do que seis dias, aumenta o nível de ácidos orgânicos e suas notas de sabor estranho. A secagem reduz o conteúdo de ácidos graxos voláteis, como os ácidos acético, propiônico, butírico e isobutírico; 70% do ácido acético é removido durante a torra.
Os fenóis que surgem durante a secagem ou armazenamento, por contaminação da queima de madeira ou fumaça de carvão, são compostos com propriedades prejudiciais ao sabor, produzindo notas indesejáveis de fumaça. A torrefação dos grãos do cacau a 110°C a 140°C, por 5 a 30 minutos, aumenta o nível de fenóis. Um cacau de alta qualidade deve estar praticamente isento deles.
Outros componentes voláteis do cacau, como as furanonas e pironas, são geradas durante a secagem e torrefação por meio da degradação de monossacarídeos. Temperaturas moderadas e umidades relativamente altas favorecem sua formação. A torra a 130°C, por 20 minutos, é a condição ideal para a produção de pironas e furanonas. Os compostos mais importantes são o furaneol, o hidroximaltol, o dihidroximaltol e o cicloteno, que conferem agradáveis notas de caramelo e aumentam a impressão do sabor. Outro componente que confere notas desejáveis de caramelo, chocolate e torrado, é o 2-acetil-1-pirrol, produzido durante a secagem e torrefação por meio de reações de Maillard e degradação de Strecker.
Já os componentes não voláteis que participam da formação de sabores específicos do cacau incluem alcalóides (metilxantinas), polifenóis, proteínas e carboidratos. O genótipo do cacau, as condições de cultivo e o meio ambiente são os principais fatores que determinam a variabilidade desses componentes na matéria-prima.
Entre os alcalóides, o grão de cacau contém 4% de metilxantinas, presentes nos grãos crus; 2% a 3% de teobromina, o principal alcalóide do cacau; 0,2% de cafeína; e vestígios de teofilina. Todos esses alcalóides contribuem para o sabor amargo típico do cacau e também estão envolvidos na palatabilidade dos produtos alimentícios que os contêm. Juntamente com os polifenóis, as metilxantinas são armazenadas em células polifenólicas em um único grande vacúolo. O conteúdo de metilxantinas e a proporção teobromina/cafeína variam de acordo com o genótipo do cacau.
O teor de metilxantinas diminui gradualmente após as primeiras 72 horas de fermentação, o que leva a uma redução do amargor. A perda de teobromina pode variar entre 38% e 40%, enquanto a cafeína diminui 50% a 54%. Essa perda significativa pode ser explicada pela difusão de alcalóides dos cotilédones. Além disso, a cafeína e, em menor grau a teobromina, podem migrar para a gordura do grão do cacau. Durante a torrefação, a teobromina e a cafeína formam adutos (produto da adição direta de duas ou mais moléculas diferentes, resultando em um único produto de reação contendo todos os átomos de todos os componentes iniciais) com dicetopiperazinas, que fornecem o amargor específico dos grãos torrados. O processo de alcalinização afeta negativamente o conteúdo de metilxantinas. A concentração de metilxantinas diminui à medida que o grau de alcalinização aumenta.
O chocolate amargo contém 5mg a 7mg de teobromina/g e 0,625mg a 0,875mg de cafeína/g, enquanto o chocolate ao leite contém cerca de 1mg de teobromina/g e 0,056mg de cafeína/g.
As sementes de cacau são uma rica fonte de polifenóis (cerca de 15% do peso do grão seco), armazenados nas células polifenólicas, um tipo de células do parênquima dos cotilédones. Esses compostos conferem sensações adstringentes e amargas e contribuem significativamente para os sabores herbáceo e frutado do liquor de cacau.
Os principais grupos de polifenóis são as catequinas, as antocianinas e as proantocianidinas. Os monômeros representam 5% a 10% do total dos polifenóis do cacau, enquanto os polímeros representam ≥ 90% do total de polifenóis presentes. O conteúdo e a composição dos polifenóis variam fortemente de acordo com o genótipo, origem, grau de maturação e processamento do grão de cacau.
O processamento de grãos pode levar a uma perda significativa de flavonóides. Durante o processamento, os polifenóis suportam reações bioquímicas complexas que são importantes para a formação do sabor e da cor do cacau. Como resultado da destruição celular durante a fermentação, os polifenóis exsudam das células de armazenamento, os flavonóides glicosídeos são hidrolisados, as antocianinas são convertidas em uma pseudobase incolor, as catequinas sofrem oligomerização não enzimática e as proantocianidinas são transferidas para formas mais complexas. Os processos de fermentação podem reduzir mais de 90% da concentração inicial de catequinas. Além disso, após quatro dias de fermentação, há uma perda significativa de antocianinas.
No entanto, o comportamento dos polifenóis pode não ser uniforme durante a fermentação. Embora o nível de polifenóis geralmente diminua, há casos em que a sua concentração não muda ou aumenta, sendo que este último aspecto pode ser uma consequência da formação de proantocianídeos como resultado de reações de polimerização.
A colonização microbiana, bem como o tempo de duração da fermentação pode afetar o conteúdo de flavanol. Leveduras, bactérias do ácido láctico e bactérias do ácido acético têm efeito positivo no conteúdo de polifenóis, enquanto esporos aeróbicos e fungos afetam negativamente. Um período de fermentação mais longo está associado a uma maior diminuição no conteúdo de flavanol. Durante a secagem, o conteúdo de polifenol diminui significativamente devido ao escurecimento enzimático e difusão dos grãos; o conteúdo de epicatequina é significativamente reduzido após a fermentação e secagem. Além disso, em grãos secos e não fermentados, o nível de epicatequina diminui em cerca de 50%. A redução do teor de polifenóis durante a fermentação também pode ser influenciado por peculiaridades genéticas, como características anatômicas dos grãos.
O nível e a composição dos polifenóis também pode ser dramaticamente afetado pela torrefação. Por serem estruturas moleculares termolábeis, altas temperaturas e torra prolongada causam redução do teor de polifenóis totais. As altas temperaturas são capazes de induzir a epimerização de epicatequina, o principal flavanol presente nos grãos de cacau não torrados. As proantocianidinas também sofrem reações de epimerização, mas são processos mais complexos, pois as moléculas das proantocianidinas são dímeros, trímeros ou polímeros.
A torra a baixas temperaturas por um curto período de tempo preserva melhor o conteúdo de polifenóis. Temperaturas abaixo de 140°C são recomendadas. A alcalinização causa perda significativa de polifenóis (perda de 64% do conteúdo fenólico total) e altera a composição dos polifenóis. A epicatequina e a catequina apresentam as maiores perdas, até 98% e 80%, respectivamente. Um maior grau de alcalinização leva a uma diminuição mais pronunciada do conteúdo de polifenóis. Essas mudanças podem ser atribuídas às reações de oxidação e polimerização de polifenóis em condições alcalinas.
Os cotilédones de grãos de cacau maduros contêm entre 10% e 16% de proteínas: uma fração de albumina (52%) e uma fração de globulina (43%). O conteúdo de proteína dos grãos Forastero é maior do que o dos grãos Criollo. Apenas a globulina da classe vicilina é degradada durante o estágio de fermentação. A proteólise enzimática da globulina, sob a ação combinada da endoprotease aspártica do cacau e da serina carboxiexopeptidase, produz precursores de sabor específicos do cacau, como oligopeptídeos e aminoácidos livres. As atividades de ambas as proteases são dependentes do pH. Peptídeos hidrofóbicos e aminoácidos livres participam das reações de Maillard durante a torra e produzem componentes característicos do sabor do cacau; a quantidade de aminoácidos é reduzida entre 24% e 72%. Algumas proteínas residuais participam de interações fenol-proteína e suas concentrações diminuem.
Os grãos de cacau crus contêm cerca de 2% a 4% de açúcares livres (frutose, glicose, sacarose, galactose, sorbose, xilose, arabinose, manitol e inositol) e cerca de 12% de polissacarídeos (amido, pectinas, celulose, pentosanos e mucilagem). Em grãos não fermentados, a sacarose representa cerca de 90% dos açúcares totais. A polpa doce mucilaginosa de sementes maduras contém quantidades variáveis de açúcares (hexoses e sacarose) e polissacarídeos (pectinas, hemiceluloses e celulose). Durante a fermentação, a sacarose é convertida em açúcares redutores (frutose e glicose) devido a atividade da invertase. A cultivar Criollo possui alta concentração de açúcares redutores, enquanto a variedade Nacional apresenta níveis muito baixos de açúcares redutores após a fermentação. Os açúcares redutores estão criticamente envolvidos no desenvolvimento do sabor típico do chocolate por meio de reações de Maillard com aminoácidos durante a torra. Até 90% da glicose e da frutose são consumidas durante a torrefação.