A indústria global de alimentos está cada vez mais centrada no consumidor. À medida que as necessidades e hábitos alimentares dos consumidores estão evoluindo cada vez mais, os fabricantes de alimentos são pressionados a tomar decisões sobre quais segmentos de consumidores servir e quais as tendências devem ser priorizadas. E, entre elas, estão os corantes naturais, um mercado com perspectivas de crescimento em ritmo acelerado.
As maiores demandas se concentram nos corantes naturais de carmim, com crescente aplicação na indústria de alimentos e bebidas atribuída, principalmente, a sua cor vermelha única e a sua ampla gama de aplicações em produtos alimentícios, como coberturas para bolos, doces, produtos de panificação, sorvetes, iogurtes, sobremesas de gelatina, xaropes de frutas e geleias.
Já entre os corantes naturais provenientes de carotenoides, o betacaroteno domina o mercado global de corantes alimentícios, sendo essa demanda atribuída principalmente a sua fácil disponibilidade e ampla gama de aplicações em produtos alimentícios e bebidas.
Outro segmento que se destaca é o de corantes naturais líquidos, devido a sua crescente demanda na fabricação de produtos alimentícios e bebidas para melhorar a viscosidade, mouthfeel, estabilidade do produto, textura, prazo de validade, sabor agradável e aspecto visual.
A notoriedade dos corantes naturais não se deve somente a tendência mundial de consumo de produtos naturais, mas também as propriedades funcionais atribuídas a alguns desses pigmentos, que permitem a indústria oferecer opções de ingredientes que possibilitam a coloração de diferentes tipos de produtos, como recheio de biscoitos, salsichas, iogurtes, sorvetes, bebidas à base de soja, entre outros produtos.
Os corantes naturais são definidos como tal quando obtidos de plantas, animais ou insetos, podendo ser classificados em três grupos principais: os compostos heterocíclicos com estrutura tetrapirrólica, que compreendem as clorofilas presentes em vegetais, o heme e as bilinas, encontradas em animais; os compostos de estrutura isoprenóide, representados pelos carotenoides, encontrados em animais e principalmente em vegetais; e os compostos heterocíclicos contendo oxigênio, representados pelos flavonoides, que são encontrados exclusivamente em vegetais.
Comercialmente, os tipos de corantes naturais mais empregados pelas indústrias alimentícias são os extratos de urucum, carmim de cochonilha, curcumina e betalaína, além das antocianinas e dos carotenoides.
A partir do urucum são fabricados os corantes naturais mais difundidos na indústria de alimentos; aproximadamente 70% de todos os corantes naturais empregados e 50% de todos os ingredientes naturais que exercem essa função são derivados do urucum.
Os pigmentos do urucum são extraídos da camada externa das sementes e consistem, principalmente, de cis-bixina, também denominada alfa-bixina, que representa mais de 80% dos carotenoides totais presentes no urucum. Os demais pigmentos do urucum, como a norbixina (lipossolúvel), o sal da norbixina (hidrossolúvel) e os produtos de degradação térmica (lipossolúveis e de coloração amarela mais estável), são obtidos a partir da bixina.
Na indústria alimentícia, as formas hidrossolúvel e lipossolúvel de urucum são as mais utilizadas como ingrediente corante em diversos produtos alimentícios. O extrato lipossolúvel de urucum foi um dos primeiros corantes a ser usado em margarina e manteiga. Já a forma hidrossolúvel do corante tem sido tradicionalmente empregada em queijos, como o queijo prato, podendo, também, ser aplicada em produtos cárneos, quando na forma em pó, em bebidas instantâneas e misturas secas.
Já o corante carmim é um dos mais consumidos no mundo na categoria dos corantes naturais; é versátil, possui boa estabilidade ao calor, a luz e as condições oxidativas.
O corante carmim é o complexo de alumínio do ácido carmínico. Este ácido é extraído do corpo liofilizado de fêmeas do inseto Dactylopius coccus, mais conhecido como cochonilha. Cada inseto na forma adulta, de aproximadamente 5 mm de tamanho, contém de 18% a 22% de ácido carmínico, uma substância sólida, vermelha, solúvel em água, cuja estrutura consiste em uma unidade de glicose associada a uma antraquinona. Muitas espécies desses insetos têm sido usadas como fonte de corantes vermelhos. A tonalidade do corante comercial pode variar de laranja a vermelho, conforme o método de extração empregado, o pH do meio e a formação de quelatos.
O corante carmim é aplicado em uma grande variedade de produtos alimentícios, integrando uma vasta lista que engloba tanto alimentos doces quanto salgados. Em alimentos salgados, é utilizado principalmente em molhos culinários e carnes processadas. Entre os alimentos doces, estão bebidas, sorvetes, iogurtes, balas, recheios de biscoitos, geleias, entre outros produtos. A sua única limitação técnica é a baixa solubilidade em pH maior de 3,0, devendo ser aplicado em alimentos com pH acima de 3,5.
Outro corante natural muito difundido é curcumina, o principal corante presente nos rizomas da cúrcuma (Cúrcuma longa). Além de ser utilizada como corante e condimento na indústria alimentícia, apresenta substâncias antioxidantes e antimicrobianas que lhe conferem a possibilidade de emprego nas áreas de cosméticos, têxtil e medicinal.
Três tipos de extratos são comumente obtidos a partir do rizoma da cúrcuma: o óleo essencial, a oleorresina e a curcumina. A distinção entre os três componentes da cúrcuma ocorre pela cor e pelo aroma. A oleorresina é o extrato mais comumente produzido e contém os componentes de aroma e de cor na mesma proporção que o condimento. É obtido por extração com solvente em processo idêntico ao usado para outras oleorresinas de condimentos.
O extrato de curcumina é o responsável pelo poder corante e apresenta poucos componentes aromatizantes da cúrcuma. É produzido pela cristalização da oleoresina e apresenta níveis de pureza em torno de 95%.
A cúrcuma apresenta maior aplicação na coloração de picles e como ingrediente em molhos de mostarda. Pode ser usada sozinha ou em combinação com outros corantes, como o urucum, em condimentos, sobremesas, sorvetes, iogurtes e óleos.
As betalaínas, também muito utilizada como corante natural, são pigmentos encontrados exclusivamente em plantas e apresentam comportamento e aparência semelhante às antocianinas. São encontradas principalmente em vegetais da família Centrospermeae, a qual pertence à beterraba (Beta vulgaris), sendo facilmente extraídas com água.
São conhecidas aproximadamente 70 espécies de betalaínas, das quais 50 delas são pigmentos vermelhos, denominados betacianinas, e 20 são pigmentos amarelos, denominadas betaxantinas.
A beterraba é uma excelente fonte de pigmentos e algumas variedades contêm valores superiores a 200mg de betacianina por 100g do vegetal fresco, o que representa conteúdo de sólidos solúveis superior a 2%.
Na maioria dos países são permitidas duas ou três formas de corantes obtidos a partir da beterraba. Concentrados líquidos são preparados pela compressão da beterraba previamente branqueada, seguido de filtração e concentração a vácuo até 60% a 65% de sólidos totais. Esse extrato pode ser convenientemente transformado em pó, com veículo adequado por meio de secagem em atomizador. O suco de beterraba contém considerável quantidade de açúcares, tornando a fermentação necessária para a obtenção do corante. A segunda forma de se obter o corante é a partir de beterrabas desidratadas e pulverizadas.
Os pigmentos da beterraba são usados em misturas em pó, devido a sua excelente solubilidade e boa estabilidade, e em produtos lácteos, como iogurtes e sorvetes, bem como na confecção de balas, confeitos e snacks.
A palavra antocianina é formada pela junção das palavras gregas anthos e kianos, que significam, respectivamente, flor e azul.
Juntamente com os carotenoides, representam a maior classe de substâncias coloridas do reino vegetal, sendo responsáveis pela coloração de uma grande variedade de frutas, legumes e hortaliças, conferindo uma ampla faixa de cores desde o vermelho até o azul. Estão presentes em uma grande variedade de espécies, pertencentes, por exemplo, as famílias Compositae, Liliaceae, Rhamnaceae, Nymphaeaceae, Lobeliaceae, Commelinaceae, Orchidaceae, Leguminosae, Ranunculaceae, Gentianaceae, entre outras. Especificamente em plantas usadas para fins alimentícios, são encontradas em um universo de aproximadamente 27 famílias.
A variedade de antocianinas existentes na natureza e sua consequente diferenciação em tonalidades e cores resultam da combinação de alguns fatores, como a quantidade e a posição das hidroxilas na molécula; a ocorrência de metilação em uma ou mais hidroxilas presentes; a natureza, a quantidade e a posição dos açúcares ligados a estrutura da antocianina; e a natureza e a quantidade de ácidos ligados a esses açúcares. A distinção de cores também é influenciada pelo ambiente em que se encontram. O pH do meio, a formação de quelatos com cátions metálicos e a presença de outros pigmentos podem levar a alteração dessas características em uma mesma molécula.
A descoberta das antocianinas aciladas contribuiu para o avanço no uso desses pigmentos em produtos alimentícios comerciais, já que a presença do grupo acila estabiliza a cor. Esse tipo de antocianina foi identificada em rabanete, batata vermelha, repolho roxo, cenoura preta e batata-doce roxa.
Outra classe de pigmentos que ocorre somente em vegetais são os flavonoides não antociânicos, que compreendem duas classes principais de compostos, as flavonas e os flavonóis. São pigmentos de cores claras encontradas em flores brancas ou amareladas e em alimentos como batata e repolho branco. Com íons férricos, formam complexos de cores fortes. Diferem das antocianinas por serem mais oxidados, sendo suas estruturas derivadas da fenilbenzopirona.
Aproximadamente 400 flavonoides não antociânicos já foram identificados e são encontrados na natureza na forma livre ou de glicosídeos associados a açúcares e taninos.
Extratos ricos em antocianinas são comercializados na forma de concentrado líquido ou em pó, e são obtidos, por exemplo, a partir de casca de uva, groselha, cenoura, repolho, milho roxo, entre outros, sendo aplicados em uma ampla classe de produtos que incluem doces, geleias, laticínios, refrigerantes, isotônicos, bebidas alcoólicas etc.
Os carotenoides são substâncias coloridas amplamente distribuídas na natureza, principalmente em plantas, nas quais se encontram nos cloroplastos, sempre acompanhando as clorofilas. Mais de 400 carotenoides diferentes são encontrados em animais e vegetais, dos quais podem ser facilmente obtidos por extração a frio com solventes orgânicos.
Os carotenoides diferem das antocianinas e betalaínas porque desempenham papel essencial na vida das plantas, como por exemplo, a função de fotoprotetor. Essas substâncias são responsáveis pelas cores laranja, amarela e vermelha de frutas, flores, hortaliças, gema de ovos, fungos, bactérias, algas, alguns peixes e crustáceos.
A cor intensa dos carotenoides se deve ao grande número de insaturações conjugadas presentes na molécula; quanto maior o número de insaturações conjugadas, mais intensa é a cor do composto.
Na indústria de alimentos, os carotenoides desempenham dupla função: colorir os alimentos incolores ou uniformizar a coloração, de maneira a torná-los mais atrativos; e enriquecê-los do ponto de vista nutricional. Alguns dos carotenoides utilizados para esta finalidade incluem a astaxantina, a cantaxantina, o betacaroteno, a bixina, a norbixina e o licopeno.
Extratos naturais contendo carotenóides extraídos de urucum, açafrão, páprica, tomate, etc. são utilizados para colorir alimentos. Vários carotenóides de estrutura química idêntica aos produtos naturais foram sintetizados nos últimos anos e obtidos na forma pura, cristalina. Um deles é o betacaroteno, utilizado para colorir iogurtes, bebidas, margarina, queijos, recheios de bolo, entre outros produtos.
Márcia Fani
Editora