O arroz com casca é único entre os cereais alimentícios que é, em geral, moído com grãos inteiros, e não farinha. É também o único em que o arroz pode ser moído de duas formas. Na maior parte do mundo o arroz é usado branco ou cru (não parboilizado). Em outras partes, é usado o arroz parboilizado, obtido pelo tratamento do arroz em casca com água e calor antes de ser seco e moído. O arroz parboilizado é o principal alimento de todo o Sul da Ásia (subcontinente indiano), onde mais de 90% do arroz parboilizado do mundo é produzido e consumido. Atualmente, a maioria do arroz produzido em Bangladesh, Sri Lanka e muitos países da Índia é parboilizado; 55% a 60% do arroz da Índia e de uma parte substancial do Nepal é parboilizado. Estima-se que um quinto do arroz mundial seja parboilizado, sendo que o seu tem crescido nos últimos anos.
A origem do arroz
Na origem dos tempos, o milheto e o trigo, sob todas as suas formas, eram os alimentos de base dos chineses, porém a história, cultura, mitologia e vida cotidiana são marcadas pelo arroz. A introdução do arroz na China e o rito anual de seu plantio são atribuídos ao mitológico imperador Shen Nung.
O arroz aparece em todas as refeições dos chineses acompanhado de legumes, carne ou peixe e seu preparo até influenciou a fabricação e uso de utensílios de cozinha. No plano espiritual, o arroz faz parte das oferendas feitas aos deuses, e os mortos não viagem para o além sem um pouco de arroz na boca.
O arroz ocupa um lugar tão importante na Ásia que chega a ter, inclusive, repercussões sobre o idioma e crenças locais. Em chinês clássico, o mesmo termo serve tanto para definir arroz quanto a própria agricultura em si. Em diversas línguas oficiais e dialetos locais, a palavra comer significa comer arroz. Na semântica oriental, as palavras arroz e comida são, às vezes, equivalentes.
O arroz foi cultivado desde os anos 8.200-7.800 a.C. em uma área que corresponde hoje à província de Hunan. Tal asserção deve-se a resultados de uma análise com carbono 14 de uma descoberta de grãos em cumbucas, vestígios da cultura Pengtoushan, descobertos em 1988, no condado de Li. Anteriormente, já se tinha encontrado perto de Hangzhou, na província de Zhejiang, provas do cultivo do arroz datando de cerca de 6.000 a.C. As populações neolíticas chinesas, originárias da bacia do Rio Amarelo, segundo mais longo rio da China, também conhecido como Huang He, migraram em direção ao Sul do país, rumo ao Yangtze. O Rio Yangtzé, também conhecido como Rio Azul, ou ainda, Chang Jiang, é o maior rio da Ásia, percorrendo 6.300 km desde sua nascente, nos montes Kunlum (Qinghai e Tibete), até o mar da China Oriental, sempre na República Popular da China. Como o milheto não podia crescer neste lugar, domesticaram algumas espécies de arroz selvagem que cresciam naturalmente na região; mais ou menos simultaneamente, nas regiões das colinas do Sudeste asiático, da Birmânia até o Vietnã.
Mais tarde, as grandes migrações de populações do Norte para o Sul, devido às invasões dos nômades mongóis, provocaram um aumento notável das bocas a serem alimentadas, obrigando os governos a produzir mais cereais para evitar a fome e, em particular, aclimatando uma espécie de arroz proveniente do território de Champa. É nesta altura que o mito virou realidade: nos vales do Yangtze e do rio Huai, o imperador Zhensong mandou distribuir aos fazendeiros, aos quais estava sendo ensinados novos métodos de cultivo, um arroz proveniente da província de Fujian. Foi um sucesso total, porque os fazendeiros obtiveram novas variedades de arroz que davam duas colheitas por ano, enquanto que o arroz tradicional chinês somente dava uma.
Em torno de 800 a.C., o arroz asiático foi aclimatado no Oriente Médio e na Europa meridional. Os Mouros o introduziram na Espanha quando conquistaram o país em 700 d.C., e propagou-se para a Itália na metade do século XV, depois na França e, após a época das grandes descobertas, foi implantado em todos os continentes. Assim, em 1694, o arroz chegou à Carolina do Sul, nos Estados Unidos, proveniente, provavelmente, de Madagascar, e os espanhóis o levaram para a América do Sul, no início do século XVIII.
A espécie africana chamada Oryza glaberrima expandiu-se a partir de seu foco original, o delta do Níger, até o Senegal, entre 1.500 e 800 a.C., mas nunca conheceu grande desenvolvimento longe de sua região de origem. Seu cultivo até sofreu certo declínio em favor da espécie asiática, a qual foi provavelmente introduzida no continente africano pelas caravanas árabes que passavam pela costa oriental entre os séculos VII e XI.
Originalmente, o arroz crescia de forma selvagem, porém, hoje, as variedades cultivadas na maioria dos países pertencem ao gênero Oryza, que conta com uma vintena de espécies, das quais somente duas apresentam um real interesse para a alimentação humana: a Oryza sativa e a Oryza glaberrima.
A Oryza sativa ( arroz comum asiático e presente na maioria dos países orizicultores do mundo) é originária do Extremo Oriente, mais especificamente dos pés do Himalaia, dando do lado chinês a subespécie Oryza sativa japônica e, do lado indiano, a subespécie Oryza sativa indica. A grande maioria das variedades que se cultivam pertence a esta espécie, que se caracteriza por sua plasticidade e por suas qualidades gustativas. A espécie japônica é obtida de um cultivo irrigado, em zona temperada, apresentando grãos de tamanho mediano e pequeno, também chamados de redondo, ou de um cultivo inundado, típico da zona tropical quente; a espécie indica provém dos cultivos irrigados da zona tropical quente e tem grãos alongados, finos e achatados.
Já a Oryza glaberrima é uma espécie anual originaria da África Ocidental, desde o delta central do rio Níger até o Senegal. O Níger é o terceiro rio mais longo da África e o principal da África Ocidental, com cerca de 4.000 km de comprimento e uma bacia hidrográfica de 2,2 milhões de km2. Nasce nas montanhas, na fronteira entre a Guiné e a Serra Leoa.
Os chineses cultivam cerca de 1.000 variedades diferentes de arroz, as quais pertencem ou ao tipo Oryza sativa indica, cultivado no Sul e representando cerca de 60% da produção, ou ao tipo Oryza sativa japônica, cultivada no vale do Yangtze e representando 30% da produção nacional; os 10% remanescentes correspondem a variedades locais. Essas outras espécies distinguem-se uma da outra pela sua morfologia, períodos nos quais chegam à maturidade, necessidade de água, resistência as doenças, aromas, cores e a própria utilização como acompanhamento de pratos ou para ser empurrado diretamente na boca. O sucesso do arroz na China é mais devido ao seu rendimento extraordinário (2.000 grãos para uma só planta), três vezes maior que o trigo, do que por suas qualidades nutritivas, embora essas não sejam nada negligenciáveis, já que o arroz fornece 30% das calorias e 19% das proteínas consumidas pelo povo chinês. Também têm qualidades de adaptação notáveis e o fato de seu cultivo durar somente três meses por ano, liberando assim os campos no resto do ano para outras culturas e dando origem a uma paisagem excepcional de arrozais em flancos de montanhas e colinas e a uma organização social especialmente adaptada a rizicultura.
O arroz é una gramínea, autógama, de grande porte, que cresce com maior facilidade sob clima tropical. Originalmente, o arroz era uma planta cultivada em terreno seco, porém, acredita-se que, com as mutações, transformou-se em semi-aquática. Esta adaptação é devido a presença de um tecido (aerênquima) no colmo da planta, que possibilita a passagem de oxigênio do ar para a camada da rizosfera. Cresce em ambientes dos mais diversos, mas se desenvolve mais rapidamente e mais vigorosamente em meios quentes e úmidos. Para expressão de seu potencial produtivo, a cultura requer temperatura ao redor de 24ºC à 30ºC e radiação solar elevada.
Vários talos crescem a partir da mesma raiz e podem alcançar de 0,6 a 6 metros de altura (no caso de arroz flutuante). Esses talos terminam com uma inflorescência (panícula) ramificada com 20 a 30 cm de comprimento. Cada panícula é composta de cerca de 50 a 300 flores ou espiguilhas, a partir das quais se formarão os grãos. Botanicamente, o grão de arroz é um fruto, denominado cariopse, em que o pericarpo está fundido com o tegumento da semente propriamente dita. Este está envolvido pela casca (lema e pálea). Na tabela 1 são comparadas as composições químicas dos grãos de arroz, milho, trigo e aveia. Destes cereais, o arroz possui a mais baixa percentagem de proteína e a mais alta percentagem de carboidratos solúveis.
O ciclo de desenvolvimento do arroz compreende três períodos: vegetativo, reprodutivo, formação e enchimento de grãos. A sua duração é em função da cultivar, época de semeadura, região de cultivo e das condições de fertilidade do solo. O ciclo geralmente está compreendido em uma faixa de 100 a 140 dias. A maior parte da variação de ciclo entre cultivares ocorre no período vegetativo.
O número de colheitas pode variar de 1 a 4 por ano, em função do clima e do ciclo das variedades. Em clima tropical, obtêm-se geralmente duas colheitas por ano, às vezes três, como no Vietnã no Delta do Mekong. Na China, chegou-se a conseguir até quatro ciclos por ano. A colheita principal ocorre geralmente entre os meses de dezembro e fevereiro. Em climas temperados e em climas tropicais frios (em altitude) obtém-se uma só colheita por ano, nos meses de setembro e outubro no hemisfério Norte e nos meses de março e abril no hemisfério Sul. Para condições de produção ótimas, o arroz precisa da combinação de vários fatores: temperaturas suaves (o zero fisiológico para a subespécie japônica é de 12ºC e de 13ºC para a índica); disponibilidade de água suficiente; e um trabalho minucioso.
A importância do calor não é, todavia, um obstáculo maior. As temperaturas elevadas são realmente necessárias somente durante o período de maturação (pelo menos 20°C durante 25 a 40 dias.). Nas regiões mediterrâneas, onde o inverno pode ser fresco, o arroz suporta as variações sazonais de temperatura se o aporte em água for regular e abundante durante a fase de crescimento. Em altitude, as variedades adaptadas suportam baixas temperaturas noturnas (média de 12°C).
O arroz parboilizado
O processo de parboilização foi descoberto, por acaso, pelo químico e nutrólogo inglês Eric Huzenlaub, no início do século XX. Este, percorrendo as tribos da Índia e África, cuja alimentação básica era o arroz, constatou grande ocorrência da doença beribéri, causada por insuficiência vitamínica nas populações que consumiam o produto sem a parboilização; e, nenhum sintoma de anormalidade, entre aqueles que utilizavam o arroz parboilizado – na época, um processo primitivo, no qual o arroz em casca era mergulhado em potes de barro com água à temperatura ambiente. Em seguida, era seco ao sol ou em chapas aquecidas e, posteriormente, descascado.
Na década de 1940, Huzenlaub associou-se ao americano Gordon L. Harwell e fundou, nos Estados Unidos, a Converted Rice, Inc., a primeira empresa de arroz a utilizar tecnologia na parboilização do arroz.
No Brasil, a tecnologia de parboilização foi introduzida em 1953, com a instalação de uma planta no Rio Grande do Sul, a qual utilizava o processo Malek, originando a marca conhecida como “arroz malekizado” e, também, como: amarelão, amarelo e macerado.
A palavra parboilizado teve origem na adaptação do termo inglês parboiled, proveniente da aglutinação de partial + boiled, ou seja, "parcialmente fervido".
Não se trata de arroz parafinado, ou colado, como muitos pensam. O processo de parboilização baseia-se no tratamento hidrotérmico a que é submetido o arroz em casca, pela ação tão somente da água e do calor, sem qualquer agente químico. A parboilização é realizada através de três operações básicas:
1) Encharcamento: o arroz em casca é colocado em tanques com água quente por algumas horas. Neste processo, as vitaminas e sais minerais que se encontram na película e germe penetram no grão à medida que este absorve a água.
2) Gelatinização: Processo Autoclave - o arroz úmido é submetido a uma temperatura mais elevada sob pressão de vapor, ocorrendo uma alteração na estrutura do amido. Nesta etapa, o grão fica mais compacto e as vitaminas e sais minerais são fixados em seu interior.
3) Secagem: O arroz é seco para posterior descascamento, polimento e seleção.
Características e propriedades do arroz parboilizado
As alterações dos constituintes dos grãos afetam profundamente as propriedades do arroz, tanto que o arroz parboilizado praticamente se torna um grão completamente diferente. Os principais efeitos podem ser resumidos como:
1) a cor relativamente opaca, branca, dos grãos de arroz cru se torna bastante cristalina, translúcida e os grãos duros, com a cor âmbar;
2) as propriedades de fluxo e empacotamento do arroz são modificadas;
3), a produção de arroz aumenta muito;
4) o teor de β-vitamina do arroz após trituração melhora dramaticamente;
5) o teor de óleo do farelo aumenta consideravelmente;
6) a hidratação, o comportamento do cozimento e a qualidade do alimento mudam; e
7) a qualidade do produto é profundamente alterada.
A extensão das mudanças está relacionada ao tipo e gravidade do tratamento empregado.
Características dos grãos
O arroz parboilizado branqueado é um pouco (-5%) menor e mais largo do que o arroz cru moído, possivelmente, devido a algum realinhamento do grão cozido. Recentemente, descobriu-se que isso é verdade com relação ao arroz parboilizado por vapor, mas não quanto ao arroz parboilizado por pressão de calor seco, que é ligeiramente mais comprido e fino, com uma relação largura-comprimento maior. Além disso, os sulcos naturais do arroz integral são nivelados no processo de parboilização por vapor, sendo mais acentuados nos outros dois processos (devido à rápida secagem dos grãos, que encolhem, para depois serem congelados nesse estado). Curiosamente, se o arroz parboilizado por calor seco é umedecido e mantido assim por um tempo, o grão se reorganiza e os sulcos pronunciados desaparecem.
Os grãos de arroz, que são bastante opacos, tornam-se um pouco vítreos e translúcidos com a parboilização. Todas as áreas pálidas do arroz original também se tornam translúcidas. Provavelmente, a interrupção dos grânulos de amido gelatinizado e os corpos aderem uns aos outros para formar uma massa compacta, reduzindo o espalhamento de luz nos limites dos grãos. O endurecimento dos grãos de arroz é outro efeito bem conhecido da parboilização. A dureza é proporcional à gravidade do tratamento térmico durante o processamento.
O arroz é um pouco descolorado pela parboilização, tornando-se de uma luminosidade amarela para âmbar. A descoloração parece ser causada, principalmente, pelo escurecimento não-enzimático do tipo Maillard, porque é inibida pelo bissulfito. Os fatores causais parecem ser o nível relativamente elevado de açúcares redutores e aminoácidos no arroz parboilizado e do tratamento térmico. No entanto, o pigmento da casca pode contribuir parcialmente.
A intensidade da coloração é diretamente proporcional ao tratamento térmico total durante a imersão e cozimento. A imersão em altas temperaturas mostra um efeito relativamente grande, em parte, causado pela separação da casca e absorção do pigmento da casca (veja Figura 1, à esquerda). O cozimento em alta pressão também provoca a descoloração severa (veja Tabela 1, Figura 1, à direita), ainda mais do que a baixa umidade do grão. A secagem em temperaturas muito elevadas pode intensificar a cor. O pH da água de imersão pode afetar a cor do grão (testado em arroz marrom, sem moagem), sendo a descoloração mínima em pH 5. Isso ocorre, em parte, porque o pigmento do farelo é um indicador à base de ácido e transforma o amarelo em pH alcalino, considerando-se que um pH ácido pode causar hidrólise do amido e, consequentemente, aumentar a reação de Maillard. Entretanto, a reação de Maillard é conhecida por intensificar progressivamente em pH 7 ou acima.
FIGURA 1 - ESQUERDA: EFEITO DA TEMPERATURA E DO TEMPO DE MACERAÇÃO DO ARROZ NA COR
DIREITA: RESPOSTA DA DIFERENÇA DE COR DO ARROZ PARBOILIZADO SOB PRESSOÕES E TEMPOS DIFERENTES DE COZIMENTO
TABELA 1 - EFEITO DA PRESSÃO E TEMPO DE COZIMENTO NA COR DO ARROZ PARBOILIZADO BRANQUEADO
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Vapor
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Pressão Tempo Diferença de cor
(kpscg) (min.) (∆E)
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0 2 8,8
5 9,2
10 10,0
20 12,1
40 11,4
60 12,1
0,35 10 12,8
0,70 10 11,9
1,05 10 16,6
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Um estudo das características da cor em dois cultivares revelou que o “comprimento da onda dominante” da cor surpreendentemente permaneceu praticamente inalterado em ~578 nm em ambas as matérias-primas e no arroz parboilizado. No entanto, o aumento da “pureza de excitação” e de “luminância” (Y) diminui com o aumento do tratamento térmico durante a imersão e cozimento. Em outras palavras, embora a cor tenha se tornado mais profunda e escura, com descoloração crescente, sua “tonalidade” permaneceu praticamente inalterada. Observou-se, também, que mesmo as descolorações pronunciadas da parboilização por pressão, percebidas a olho nu, foram envolvidas, principalmente, pelo escurecimento (redução Y) da cor e não tanto pela mudança na sua tonalidade. Outro estudo recente avaliou a cinética do desenvolvimento da cor sob diferentes pressões (0 a 2 kg/cm2) e tempos (0 a 60 minutos), no cozimento. O estudo descobriu que Hunter L (luminosidade = luminância, Y) diminuiu com o tempo mais do que com a pressão do cozimento. Hunter b (amarelado) e ΔE foram afetados pela pressão e tempo (veja Figura 20, à direita) e todos seguiram uma cinética de ordem zero.
Qualidade da moagem
Depois do teor em vitaminas, a notável qualidade da moagem do arroz parboilizado é a segunda propriedade mais amplamente observada. A redução considerável na quebra do grão durante a moagem após a parboilização tem sido repetidamente mencionada por inúmeros autores. No entanto, o que causa tal melhoria! Após o arroz ser parboilizado e seco ao ar, à sombra, a quebra de cereais de uma amostra é próximo de zero, independentemente da sua quebra antes do processamento de moagem. De fato, mesmo com a casca deliberadamente danificada e separados os grãos imaturos que se danificam quase completamente durante a moagem, o rendimento é de quase 100% de grãos inteiros após a parboilização (veja Tabela 2). A verificação através de um exame de transmissão de luz mostrou que não existe vestígio de fissuras ou nebulosidade (característica dos grãos imaturos) depois da parboilização, não importando o seu conteúdo antes do tratamento. Claramente, o inchaço do endosperma do amido durante a gelatinização curou completamente os defeitos pré-existentes. Como resultado, a quebra do grão não é reduzida, mas virtualmente eliminada.
TABELA 2 - EFEITOS DA PARBOILIZAÇÃO SOBRE A QUALIDADE DA MOAGEM DO ARROZ PARBOILIZADO CRU E DANIFICADO
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Quebra (%) na moagem
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Arroz com casca Tratamento Original Após parboilização
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Cru Zero 35,9 0,7
Seco em estufa 100,0 0,9
Molhado 71,0 0,8
Parboilizado Zero 0,6 ---
Seco em estufa 99,0 0,4
Molhado 10,5 0,7
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No entanto, o arroz parboilizado, assim como o arroz cru, pode rachar se não estiver seco e, consequentemente, quebrar quando branqueado. A parboilização incompleta também pode causar alguma ruptura. Em outras palavras, o arroz parboilizado deve sempre alcançar 100% de grãos inteiros, independentemente da variedade, exceto quando o processamento, especialmente o de secagem, estiver com defeito. Isso explica os diferentes graus de melhora na trituração após a parboilização. Algumas alterações adicionais de comportamento ocorrem na moagem do arroz parboilizado. A casca racha ligeiramente após parboilização, portanto, o descascamento fica mais fácil, consumindo menos energia. Esta é uma vantagem. No entanto, as duas alterações seguintes são desvantajosas. O arroz parboilizado, por ser mais duro, requer maior tempo ou força e, portanto, mais energia, para o clareamento (veja Figura 2). Além disso, o farelo de arroz parboilizado contém mais óleo e materiais mais excêntricos do que o farelo de arroz cru. Assim, a tela tende a ficar obstruída. Além disso, o arroz polido aparenta ser oleoso e pegajoso, especialmente sob branqueamento em metal. Esses problemas são superados adicionando um pouco da casca do arroz durante o clareamento ou mantendo uma alta pressão no cone.
FIGURA 2 - AUMENTO DO GRAU DE MOAGEM DO ARROZ CRU E PARBOILIZADO COM AUMENTO DE TEMPO E PESO APLICADOS DURANTE A MOAGEM
Um dos efeitos do maior teor de óleo na superfície do arroz branqueado é que o fluxo (ângulo de repouso) e embalagem (densidade), propriedades do arroz, particularmente na faixa intermediária de moagem, são extremamente afetados pela parboilização (Veja Figura 3). As pobres propriedades de fluxo do meio branqueado do arroz parboilizado estão de acordo com a viscosidade observada, como mencionado acima.
FIGURA 3 - PROPRIEDADES FÍSICAS DO ARROZ CRU E PARBOILIZADO INFLUENCIADAS PELO GRAU DE MOAGEM
O equilíbrio higroscópico do arroz parboilizado não foi devidamente estudado. Pesquisadores descobriram que o seu conteúdo de umidade é ligeiramente superior aos valores do arroz cru, até 50% de UR. A determinação simultânea com os dois tipos de arroz é necessária para uma comparação adequada.
Propriedades físico-químicas do arroz parboilizado
O arroz parboilizado possui muitas propriedades físico-químicas incomuns. Além disso, essas propriedades diferem do processamento de vapor para a secagem por calor e para a pressão no arroz parboilizado. Inicialmente, tais propriedades levantaram a questão sobre a natureza fundamental do arroz parboilizado como um arquétipo de cereais pré-cozidos.
O mais impressionante, e talvez a mais simbólico, de todas as suas propriedades incomuns é o duplo paradoxo do arroz parboilizado (especialmente o arroz convencional parboilizado a vapor), pré-cozido, que hidrata a uma taxa menor do que o arroz cru durante o cozimento em altas temperaturas, e ainda hidrata mais rápido e em maior extensão do que o arroz cru a baixas temperaturas. Na verdade, essa contrariedade aumenta com o aumento da severidade do tratamento térmico durante a parboilização (veja Figura 4). Da mesma forma, o equilíbrio do teor de umidade alcançado pelo arroz quando embebido em água à temperatura ambiente (EMCS) é maior do que no arroz cru parboilizado (veja Figura 5).
FIGURA 4 - HIDRATAÇÃO DE ARROZ CRU (R) E PARBOILIZADO (PB) EM ÁGUA COM DIFERENTES TEMPERATURAS E DIFERENTES TEMPOS
FIGURA 5 - HIDRATAÇÃO DE ARROZ CRU E LEVEMENTE PARBOILIZADO EM ÁGUA À TEMPERAURA AMBIENTE
A solubilidade da amilose da farinha de arroz e o inchaço e solubilidade da farinha de arroz também mostram a mesma tendência. De acordo com estes comportamentos contrários, uma suspensão da farinha de arroz parboilizado em água apresenta uma maior viscosidade à temperatura ambiente, assim como um maior volume de sedimentos, bem como uma menor viscosidade da pasta no viscosímetro Brabender (veja Figura 6), do que a farinha de arroz crua. A dispersão da farinha de trigo em diluição alcalina ou dimetil sulfóxido, similarmente, mostra um maior volume de gel para parboilização do arroz cru em temperatura ambiente. O álcali também apresenta um efeito similar contrário. Os grãos de arroz parboilizado são atacados pelos álcalis, então diluídos, não afetando os grãos crus na totalidade. No entanto, em álcali moderado e concentrado, os grãos de arroz parboilizado são menos afetados do que os grãos crus.
FIGURA 6 - VISCOSÍMETRO BRABENDER DE ARROZ CRU E PARBOILIZADO (PB)
Segundo as pesquisas realizadas, a farinha de arroz parboilizado apresenta maior mobilidade em gel alcalino do que a farinha de arroz cru. Deve-se ressaltar que todas essas propriedades contrárias são acentuadas pelo aumento da gravidade do processamento. Alguns exemplos típicos de algumas dessas propriedades paradoxais são apresentados na Tabela 3.
TABELA 3 - COMPARATIVA DE HIDRATAÇÃO E PROPRIEDADES RELACIONADAS DO ARROZ CRU E DE VARIEDADES DE ARROZ PARBOILIZADO
As propriedades de secagem por calor do arroz parboilizado (preparado pela condução do aquecimento embebido com areia quente ao invés de vapor), são um pouco diferentes. Ele mostra uma maior temperatura ambiente e viscosidade das suspensões do que o arroz parboilizado a vapor. No entanto, se o arroz parboilizado seco por calor for umedecido e temperado, as propriedades tendem a reverter para as do arroz parboilizado convencional (veja Tabela 3).
As propriedades do arroz parboilizado por pressão, como já mencionado, são também muito diferentes. Em um esforço para compreender a sua forte resistência à cocção, pesquisadores estudaram detalhadamente o efeito conjunto de graus de umidade, tempos e temperaturas de vaporização. Os dados fornecidos são uma mina de informações (veja Figura 7).
FIGURA 7 - EFEITO DA UMIDADE DA CASCA, PRESÃO DE VAPOR E TEMPO DE VAPORIZAÇÃO NAS PROPRIEDADES DO ARROZ PARBOILIZADO
Os grãos translúcidos e a EMCS determinados imediatamente após o processamento, ambos os índices de gelatinização, aumentou não somente com o aumento da umidade, mas também com o aumento da pressão na baixa umidade de grãos, explicando a base lógica do processo de parboilização por pressão. A retrogradação nas amostras foi elevada em alta e baixa umidade, como esperado a partir das propriedades do arroz parboilizado por vapor e seco por calor, conforme mencionado acima. Surpreendentemente, a redução na hidratação de alta temperatura não foi necessariamente relacionada à retrogradação. Estes resultados foram confirmados posteriormente em um trabalho relacionado.
Efeitos das variedades de arroz sobre as propriedades do arroz parboilizado
Diferenças nas variedades de arroz afetam a qualidade do arroz parboilizado. Esse aspecto foi ressaltado através de estudos relativamente recentes, os quais notaram algumas diferenças na textura e em outras propriedades do arroz parboilizado a partir de diferentes variedades. Um estudo minucioso desse aspecto foi realizado com duas variedades cerosas e 11 variedades não cerosas de uma ampla gama de tipos. Foi observado que todas as variedades apresentaram os fenômenos contrários normais de hidratação em alta e baixa temperatura, solubilidade e perda de sólidos como resultado da parboilização. Além disso, a extensão das alterações, em comparação com o arroz cru, se manteve praticamente constante em todas as variedades (veja Tabela 4). Isso se aplica também ao comportamento da viscosidade da pasta e a colagem da farinha de arroz. Em outras palavras, as diferenças nas propriedades existentes entre as variedades de arroz foram transportadas intactas após a parboilização.
TABELA 4 - MODIFICAÇÕES DAS PROPRIEDADES FÍSICO-QUÍMICAS DO ARROZ COMO RESULTADO DA PARBOILIZAÇÃO
A situação é a mesma com relação à textura do arroz cozido. Estudos observaram que a viscosidade e maciez do arroz cozido diminuíram após a parboilização; contudo, a variedade japônica continuou a ser mais rígida do que a variedade indica, mesmo na forma processada. O mesmo foi observado em 11 tipos de arroz não ceroso; aderências sensoriais, sensibilidade e contagem de umidade diminuíram, e os valores de recuperação viscoelastográfica de firmeza e elasticidade aumentaram os valores de recuperação a partir do arroz levemente cru para severamente parboilizado. No entanto, a gradação intervarietal entre os tipos de arroz originais novamente foram mantidas (veja Tabela 5, dados de firmeza). Isso também se aplica ao arroz parboilizado por pressão. Os valores sensoriais e de textura instrumental foram altamente correlacionados com os teores de amilose total insolúvel, tanto antes como depois da parboilização.
TABELA 5 - TEXTURA E ESTABILIDADE DE CONSERVAS DE ARROZ COZIDO CRU E PARBOILIZADO
Pesquisadores estudaram 12 variedades (uma cerosa e vários pares de diferentes combinações de amilose-GT) após a parboilização por vapor a 100°C-131°C. Observou-se uma quantidade maior de umidade nas variedades de arroz de baixa GT, após a imersão (se a temperatura não é ajustada para baixo) e, consequentemente, um maior grau de gelatinização sob vapor a 100°C. No caso contrário, o teor de amilose foi o principal fator na EMCS, na mobilidade em gel, e na dureza e viscosidade do arroz cozido.
Claramente, o efeito sobre as propriedades das variedades do arroz parboilizado são mais ou menos semelhantes aos do arroz cru. Isso é muito bom, porque implica que:
1)pode-se prever a qualidade de arroz processado pelo conhecimento da matéria-prima;
2)pode-se escolher a variedade a ser processada, dependendo do produto final desejado; e
3)nenhum teste especial, além dos teste normais de qualidade, é necessário para a seleção das variedades de arroz adequadas para parboilização.
Adicionalmente, duas conclusões podem ser obtidas, se o arroz com baixa amilose for usado no processamento:
1)o arroz parboilizado resultante pode tornar-se aceitável para aqueles que usam arroz cru com alta amilose (como no Sul da Ásia); e
2)o arroz parboilizado por pressão pode ser aceitável, e o processo pode ser ressuscitado devido as suas várias outras vantagens.
Conclusão
A parboilização como uma ciência começou a ser estudada na segunda metade do século XX. Atualmente, é uma ciência e uma tecnologia madura. Hoje, temos excelentes tecnologias para a produção de arroz parboilizado de alta qualidade. Temos, também, uma idéia razoavelmente clara das mudanças que ocorrem no grão de arroz durante a parboilização, das propriedades do arroz parboilizado, e dos estados fundamentais de amido e gordura no arroz parboilizado, que respondem por suas propriedades singulares. Entretanto, várias áreas permanecem desconhecidas.
Quanto à tecnologia, há um caminho claro a ser percorrido para a melhoria. No entanto, o sistema atual de parboilização moderna funciona tão bem e está tão entranhado que há pouca chance de haver uma grande mudança na tecnologia no futuro próximo para a maior parte da produção.
Contudo, novos processos têm potencial. A parboilização do arroz marrom parece já ter um lugar para si. Relatos sugerem que seu uso está se disseminando, embora ainda limitado. Este é um processo para ser observado. O processo de parboilização por pressão tem potencial somente se as variedades de baixa amilose forem utilizadas e o uso de bissulfito for permitido para reduzir a descoloração. No entanto, o processo tem um excelente potencial para produção do material de base para o arroz em lata e arroz tufado. O arroz parboilizado seco termicamente tem bom potencial para uso como produto de nicho, pois sua hidratação é superior em baixa temperatura.
Há muito trabalho a ser feito quanto à ciência da parboilização. É verdade que as mudanças durante a parboilização, propriedades do produto, e efeito da variedade de arroz sobre a qualidade do arroz parboilizado, tem sido exaustivamente explorada. Mas ainda há muito trabalho a ser feito sobre o estado do amido no arroz processado.
Pelo menos três outras questões permanecem sem resposta. A primeira diz respeito à propriedade de sopro do arroz parboilizado sob aquecimento HTST. A segunda questão diz respeito ao papel da hidrólise do amido durante a parboilização de alta pressão nas propriedades do arroz parboilizado. A última questão diz respeito ao papel da proteína.
Além disso, qualquer outro processo ou tratamento que possa reverter a dificuldade de cozimento do arroz parboilizado, sem perturbar as suas vantagens, seria uma bênção para a indústria. Este pode ser o promotor para a produção de arroz parboilizado de rápido cozimento, um processo susceptível de ganhar impulso com o tempo.